Dos dirigíveis aos caças


Agência Força Aérea, por Tenente João Elias ...
Em tempos de aeronaves cada vez mais velozes, em que uma viagem do Brasil à Alemanha dura em torno de doze horas, é até difícil de imaginar que, em um passado não muito distante – quando a aviação dava seus primeiros passos – o voo com o mesmo trajeto era feito em cinco dias. Era assim na década de 1930, quando a aviação comercial internacional estava marcada pelos grandes dirigíveis alemães, conhecidos como Zeppelins.
Em 1930, ocorreu a primeira viagem experimental entre a Alemanha e o Brasil com o Graf Zeppelin, que pousou no Campo dos Afonsos. Já em 1933, os alemães da empresa Luftschiffbau Zeppelin estiveram no Rio de Janeiro, capital do Brasil na época, para escolher o local mais apropriado para servir como campo de pouso e abrigo definitivo para os enormes dirigíveis.
Foi escolhido um terreno de 80 mil m² pertencente ao Ministério da Agricultura, localizado no subúrbio de Santa Cruz, próximo à Baía de Sepetiba, na zona oeste da cidade. A escolha só se deu após serem levados em conta diversos aspectos como o clima, a direção e a velocidade dos ventos, e a possibilidade de locomoção por outros meios de transporte, ligando o bairro à cidade.

A inauguração ocorreu em 26 de dezembro de 1936, com a ativação de uma linha regular de transportes aéreos que ligava a Alemanha ao Brasil. “Esse hangar representa a inscrição do Brasil em um momento da história mundial relativa ao desenvolvimento de tecnologia aeronáutica, na rota da aviação comercial internacional e, também, a de construções de edificações de grande relevo”, explica a Tenente Historiadora Rachel Cardoso Motta.
Dois Zeppelins faziam a linha para a América do Sul, por serem os melhores e os maiores: Graff Zeppelin e o Hindenburg. Partiam de Frankfurt, na Alemanha, e atracavam em Recife, no Pernambuco, para, posteriormente, descer no Rio de Janeiro, onde eram recolhidos dentro do hangar para manutenção, reabastecimento e embarque de passageiros.
Em 1937, o senhor José dos Santos tinha 10 anos de idade quando foi levado pelo pai para visitar o Graff Zeppelin que estava em manutenção no hangar em Santa Cruz. “O Zeppelin cabia direitinho dentro do hangar; ele era amarrado dos lados para ficar bem seguro e a parte de cima também ficava próxima ao teto; embaixo era a cabine, que ficava quase ao chão. Tinha uma escadinha que a gente subia para ver por dentro, dava para visitar a cabine e um salão grande. Na época, muita gente vinha para Santa Cruz visitar o Zeppelin”, recorda ele.

O hangar foi, entretanto, pouco utilizado pelos dirigíveis: quatro vezes pelo Hindemburg e cinco vezes pelo Graf Zeppelin, pois o projeto dos Zeppelins foi cancelado após o acidente que ocorreu em Nova Jersey, nos Estados Unidos, com o Hindenburg, em maio de 1937.
Posteriormente, durante a Segunda Guerra Mundial, em 1942, o Governo Brasileiro expropriou o Aeroporto Bartolomeu de Gusmão dos alemães e implantou lá a Base Aérea de Santa Cruz (BASC), da Força Aérea Brasileira (FAB). E o hangar encontra-se preservado até hoje.

Patrimônio histórico - Assentado sobre 560 estacas de sustentação, o hangar é uma edificação de grandes dimensões: são 274m de comprimento, 58m de altura e 58m de largura. Tem quatro plataformas rolantes sob o teto, que facilitava a manutenção no topo dos Zeppelins, além de três vigas especiais, caso fosse necessário erguer o dirigível.
As instalações elétricas eram revestidas por uma blindagem para evitar o surgimento de qualquer fagulha, que poderia causar um incêndio catastrófico nos dirigíveis. No interior do hangar há duas escadas com patamares, uma de cada lado, e um elevador elétrico que transporta 450kg ou seis pessoas, alem de 23 janelas envidraçadas de cada lado. As telhas são originais de fibrocimento. No topo, a 61 metros, fica a torre de comando.
A construção está orientada no sentido norte/sul. O portão sul, o principal, pode ser aberto em toda a extensão de altura e largura do hangar, por motores elétricos ou manualmente, por um sistema de contrapesos; cada lado pesa 80 toneladas. Já o portão norte, com 28m de largura por 26m de altura, servia apenas como passagem de ventilação e saída da torre de atracação e só é aberto manualmente.
O hangar serviu de base para o 1º Grupo de Aviação de Caça da FAB, que atuou na segunda guerra mundial. No local é realizada periodicamente a manutenção da aeronave administrativa da BASC.

Nos Jogos Olímpicos e Paralímpicos, o hangar serviu como apoio a 12 esquadrões de aeronaves de caça, transporte e reconhecimento, que foram deslocados de diversas regiões do País e passaram a operar a partir da BASC. Às vezes, é usado para embarque e desembarque de paraquedistas. E também é muito procurado para atividades de balonismo. O hangar já foi utilizado, inclusive, para anúncio publicitário e recebe constantemente a visita de arquitetos por ser uma referência arquitetônica da década de 30.
“O hangar agrega valor à Base Aérea de Santa Cruz. Da mesma forma que os alemães no passado escolheram essa área devido às suas condições para a navegabilidade, hoje, a Base, pelo mesmo motivo, continua sendo uma referência para a Força Aérea”, ressalta o Subcomandante da BASC, Tenente-Coronel Bruno Pedra.
Desde março de 1998, o hangar é considerado patrimônio histórico brasileiro pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Como o próprio IPHAN descreve, é um patrimônio cultural que tem sua vinculação com “fatos memoráveis da história do Brasil”.
“Sabemos que nosso hangar do Zeppelin é um dos últimos do mundo e tê-lo ainda bem conservado em nossa Base Aérea significa muito para estudiosos do tema no mundo todo. Preservar este tipo de construção é preservar a memória de nosso País e compreender a importância do Brasil no contexto internacional. Por fim, nos permite também preservar a memória da Força Aérea Brasileira, na medida em que a construção do Aeroporto Bartolomeu de Gusmão, o local de construção do hangar do Zeppelin, deu origem à nossa Base Aérea de Santa Cruz”, conclui a historiadora.
Leia também:
