Neivao versus Boeing 707F ? (ou "O dia em que quase fomos atropelados por um 707F")
Neivao versus Boeing 707F ? (ou "O dia em que quase fomos atropelados por um 707F")
Fabio Becherini
La' pelo final da decada de 70, morando em Sao Jose' dos Campos, Capital do Aviao,
um de meus passatempos preferidos era, sempre que possivel, observar os ditos cujos.
Eu me posicionava na beira do "banhado", uma area desprovida de construcoes,
sobre a qual as aeronaves vinham em aproximacao para pouso.
Uma vez por semana vinha um cargueiro direto dos EUA, um Boeing 707F,
trazendo pecas para a Embraer.
Como eu ja' sabia o horario aproximado de chegada, ficava aguardando
o mesmo entrar na perna do vento, quando meu coracao comecava
a bater mais rapido.
La' pelas tantas, era batata, vinha o bicho voando alto em direcao 'as montanhas,
entrava na perna base, e depois de alguns segundos, entrava na reta final.
Dai' era "destroi coracao", era a coisa mais linda do mundo observar
o monstro de frente, farois acesos, deixando o rastro escuro do querosene queimado
pelas quatro turbinas.
Quando estava bem na vertical, o rugido das turbinas era musica
para os meus ouvidos.
A emocao era tanta que eram lagrimas nos olhos, verdade verdadeira.
Bem, mas a historia nao acaba aqui nao ...
Meus sabados ou domingos, e por vezes "e" domingos,
eram reservados nao para observar, mas para voar de verdade.
Meu pai era piloto de planador, e antes que eu tambem trilhasse
seu caminho, sempre voava com ele de carona.
Era muito bom, ja' ia aprendendo a voar, bem antes de pensar
em tirar meu proprio breve.
Costumavamos voar no Aeroclube de Voo a Vela CTA,
que na epoca operava no Aeroporto de Sao Jose dos Campos,
do lado oposto 'as instalacoes da Embraer (Mais tarde mudaram
as operacoes para Cacapava).
Naquele tempo nao havia operacao regular no aeroporto,
e aos finais de semana a pista era quase que so' nossa,
e as regras eram bastante flexibilizadas.
Tao flexibilizadas que por vezes nem contato de radio
era utilizado.
Nossa "ave" preferida era o "Neiva B Monitor", carinhosamente
apelidado de "Neivao".
O aeroclube tambem utilizava o "L-13 Blaník",
mas estes eram utilizados primariamente para instrucao.
Pois bem, era um sabado de ceu de brigadeiro, e nos passando o dia
no aeroclube, como sempre.
Para voar era necessario "entrar na fila", quem chegasse primeiro
voava primeiro, o que me parece muito justo, claro.
Ok, la' pelas 3 da tarde, o pessoal do "controle da fila" cantou:
- Comandante, sua vez, pode se preparar.
Hoje ate' radio vai ter ... hehehe
Colocamos os paraquedas, nos afivelamos aos bancos,
checamos o radio portatil, tudo certo, meu pai pede autorizacao
ao controle de terra (nao e' a torre de controle, e' nosso controle
no aeroclube):
- Controle, aqui Papa Tango Papa Tango November,
pronto para iniciar procedimento de decolagem.
- Papa Tango November, aguarde liberacao Torre Sao Jose'.
Mais alguns minutos debaixo do sol forte, ja' comecando a passar calor ...
- Papa Tango November, liberado para inicio de procedimento de decolagem.
Meu pai faz o sinal de positivo com o polegar, e o pessoal das asas empurra
o pesado Neivao para a pista e engata o gancho do rebocador.
- Controle, Papa Tango November pronto para decolagem.
- Papa Tango November, decolagem autorizada.
O rebocador aumenta a rotacao do motor, e nos dois
comecamos a nos locomover, o pessoal das asas correndo ao lado,
o rebocador ganha velocidade, e nos na carona, decolamos os dois juntos.
O piloto do rebocador entra na nossa frequencia:
- Papa Tango November, qual altitude hoje ?
Aqui vale uma observacao ...
Quanto mais alto, mais tempo provavelmente se voara',
entretanto mais caro fica o voo.
- Reboque, 6000 pes, pode ser ?
- Afirmativo, boa carona.
E La' fomos nos subindo e subindo lentamente ate' a altutude solicitada.
La' pelas tantas o reboque balanca as asas e entra na frequencia.
- Papa Tango November, 6000 pes, pronto para o desengate ?
- Reboque, obrigado pela carona, desengatando ...
Meu pai solta o gancho, e la' vai o reboque para um lado e nos para o outro.
Grande dia para voar, ceu azul, pouco vento, uma termica aqui, outra la',
meu pai diz:
- Os comandos sao seus, vai treinando ai'.
O gostosura, o Neivao e' meio pesadao, nao e' rapido, mas e' gostoso de voar.
O chato e' que, inexperiente na epoca, vamos perdendo altitude mais rapido
do que se meu pai estivesse nos comandos.
- Xiii filho, nao temos mais muito tempo de voo, talvez uns 10-15 minutos, acho que vou pedir
autorizacao para pouso ...
O caramba, a gente espera o dia inteiro para voar e depois voa pouco ... enfim ...
Devolvo os comandos para meu pai e dou uma espiada ao redor quando
nao mais que de repente avisto algo extremamente familiar,
e' o 707 na perna do vento, em direcao 'as montanhas.
- Pai, que estranho, hoje e' sabado, nao e' dia do 707, mas olha ele la'.
Meu pai olha la' para a frente e solta um palavrao, o qual nao fica bem escrever aqui.
- Controle, aqui Papa Tango November solicitando autorizacao para pouso.
- Comandante, aqui Controle, nao da' para manter altitude ?
O 707 ja' vai entrar na final, nao vai dar para liberar a pista antes dele.
- Controle, ate' ele liberar a pista vai demorar um monte,
nao tenho como manter tanto tempo, veja com a torre
o que da' para se fazer.
- Papa Tango November, aguarde.
Nessa altura, estavamos dando voltas, nada de termica,
e a cada volta os farois do cargueiro iam ficando mais proximos,
e o chao tambem.
- Papa Tango Papa Tango November, aqui Torre Sao Jose'.
- Torre Sao Jose', Papa Tango November na escuta.
- Comandante, nao ha' como manter altitude ?
O 707 esta' na final, quase sobre Sao Jose'.
(Depois de Sao Jose' vem a pista ...)
- Negativo, nao tenho como aguardar ate' ele liberar a pista.
- Comandante, so' ha' uma saida, pouse curto no final da pista,
e libere rapidamente a pista porque o cargueiro estara' vindo logo atras.
Se eu solicitar que ele arremeta vai complicar para o meu lado.
- Torre, afirmativo, liberar rapido, afirmativo.
Agora o 707 ja' se encontrava sobre a cidade, e quando entramos na perna base
sua visao, de agradavel que era, passou a ser assustadora.
- Torre, Papa Tango November na final.
- Afirmativo, tente manter altitude e tocar a pista apos a ultima saida.
A essa hora, o pessoal do aeroclube estava de cabelo em pe'.
Viram o cargueiro se aproximando na final e nos entrando na final ao mesmo tempo,
quase no final da pista, algo impensavel nos dias de hoje.
- Filho, vamos ter que descer rapido e super curto, se segura ai' ...
A pista dava a impressao que iria acabar, a gente ainda alto,
meu pai aciona os freios aerodinamicos, e o Neivao da' um "tranco",
quase para no ar, e perde altitude rapidamente, "caranguejando" meio de lado.
- (Censurado) ... esse vento de traves tambem nao ajuda em nada ...
- (Censurado) ... esse vento de traves tambem nao ajuda em nada ...
Tocamos quase no fim da pista, e meu pai vai controlando como pode,
o Neivao perdendo velocidade, e meu pai fala:
- E' aqui mesmo que vamos parar ...
Por sorte ao lado da pista era so' grama, nenhum obstaculo,
foi apenas o tranco do fim do asfalto.
Soltei os cintos e saimos do Neivao a tempo de ver o cargueiro
taxiando ao nosso lado, bem devagar, a ponta de sua asa
passando quase por cima de nos.
- Filho, segura a asa senao ele voa longe ...
Olhei para o copila (o co-piloto), que sorriu e bateu continencia para nos.
Ganhei o dia ...
- Papa Tango November, aqui Torre Sao Jose'.
O comandante do cargueiro perguntou quem era o piloto maluco
do planador que atravessou na frente dele, mas pediu para parabeniza-lo
pelo excelente pouso.
- Torre, aqui Papa Tango November, te devo uma cerveja.
- Comandante, olha que vou cobrar essa cerveja.
Tenha um bom dia.
- Controle, aqui Papa Tango November, solicitando reboque
para o aeroclube (o qual ficava bem longe do fim da pista).
- Comandante, so' de castigo pelo susto, voces terao que empurrar
o planador ate' aqui ... hehehe
Brincadeira, reboque a caminho ...
Como eu disse, ganhei o dia ... fim da historia ...