Parceria para o século 21
Rubens Barbosa .
A recente visita da presidente Dilma Rousseff a Washington foi mais um passo (discreto) na difícil construção de uma agenda positiva que conecte os interesses do Brasil e dos EUA e faça ampliar nossa cooperação bilateral. Na visita do presidente Barack Obama a Brasília, em marco de 2011, foram lançadas as bases de um trabalho conjunto para os próximos anos, o que implicará a gradual diferenciação do Brasil pelos EUA no contexto latino-americano.
Dando seguimento a esse processo, o governo brasileiro levou para o encontro de Washington uma agenda clara, embora pouco ambiciosa, para o presente momento das relações com os EUA. A principal prioridade foi a busca de parcerias na área de inovação, responsável, em grande parte, pela recuperação da economia norte-americana.
Nos encontros oficiais e empresariais foi dada grande ênfase à busca de diferentes formas de cooperação nas áreas de educação, ciência e tecnologia. Nesse contexto, o lado brasileiro ressaltou o interesse em contar com o apoio de universidades norte-americanas para o programa Ciência Sem Fronteiras, tal como discutido nos encontros com a direção do MIT e da Universidade Harvard, em Boston.
Nas reuniões empresariais foram examinadas essas e outras áreas - energia fóssil/renovável, espaço - em que os investimentos de empresas dos EUA no Brasil poderiam ser ampliados. Em vários momentos, entretanto, a política de conteúdo nacional, importante para fortalecer a indústria brasileira em setores críticos para o nosso país, foi questionada como empecilho para a ampliação dos investimentos.
Embora na área de aviação continuem pendentes licitações para a compra pelo Pentágono de aviões da Embraer e pelo governo brasileiro, dos caças, formalizou-se acordo de cooperação na área de negócios que deverá beneficiar a Embraer e a Boeing. E o que seria difícil imaginar alguns anos atrás, o diálogo de defesa foi expandido e haverá reunião no Brasil, esta semana, com a presença do secretário de Defesa norte-americano, Leon Panetta.
No encontro entre Dilma e Obama, segundo transpirou das conversas na Casa Branca, ao examinar a evolução da crise da economia global, foram reiteradas as preocupações brasileiras quanto às políticas monetárias expansionistas adotadas nos EUA e na Europa, acarretando a depreciação do yuan e do dólar, e seu efeito negativo sobre o crescimento dos países em desenvolvimento. A resposta pública de Washington veio por meio de declaração da diretora-gerente do FMI, Christine Lagarde, contestando a afirmação de Dilma.
Quanto à política externa, foram reiteradas as posições em relação à Síria (apoio às propostas de Kofi Anan para o cessar-fogo e respeito aos direitos humanos), ao Irã (preocupação com a escalada retórica e a necessidade de se encontrar uma solução pacífica para a questão do programa nuclear iraniano), a Cuba (fim do embargo) e à reforma do Conselho de Segurança da ONU (pretensão do Brasil por assento permanente).
A posição cautelosa das autoridades de Washington não chega a surpreender pela inibição derivada das dificuldades econômicas e pelo foco na política interna com a aproximação das eleições presidenciais. "Foi como falar para uma parede", ouvi de um alto funcionário brasileiro. É possível prever, contudo, que, caso vença a eleição e consiga maioria nas duas Casas do Congresso - o que hoje parece pouco provável -, Obama adote no segundo mandato uma atitude diferente naqueles temas.
Contrastando com a limitada cobertura pela mídia local da visita presidencial brasileira - comparada com as visitas dos chefes de governo da China, da Índia ou da Rússia -, foi positiva a reação nos setores empresarial e acadêmico. Despertou interesse a visão proativa na busca de investimentos em inovação e no envio de cerca de 20 mil estudantes aos EUA, parte dos 100 mil previstos no programa Ciência sem Fronteiras. E o encontro da presidente com intelectuais e formadores de opinião lançou sementes para o melhor entendimento a respeito do novo papel do Brasil no mundo.
Nesse particular, não poderia ter sido mais inadequado, ao final da visita, o anúncio, de decisão burocrática menor, relativo à classificação da cachaça no mercado americano. Na superficial cobertura da visita presidencial pela imprensa internacional, a cachaça virou a notícia mais importante e, em alguns casos, a única. Para um país que pretende ocupar crescente papel no cenário internacional e ter sua voz ouvida, temos muito que aprender sobre comunicação e briefings, antes e depois das visitas presidenciais.
A presidente Dilma, de público, várias vezes sublinhou o interesse brasileiro em estreitar e aprofundar a "importante relação" com os EUA com base no respeito mútuo e no "diálogo entre iguais". E disse saber da relevância do desenvolvimento de uma parceria com os EUA no século 21. Mais específico, o ministro Fernando Pimentel ressaltou ser a relação com a China apenas comercial, enquanto com os EUA é mais abrangente e diversificada. A secretária de Estado, Hillary Clinton, qualificou o Brasil como "responsável", fazendo clara distinção em relação a alguns vizinhos e a outros países em desenvolvimento.
A mudança de tom e de ênfases nas relações com os EUA parece, sem dúvida, a principal evolução na política externa brasileira se comparada com os oito anos anteriores. A atitude ideológica foi substituída pela visão pragmática, que poderá trazer resultados positivos para o Brasil.
Resta saber se os dois países saberão conectar, oficial e empresarialmente, os interesses recíprocos para efetivamente desenvolverem uma parceria para o século 21, reconhecendo que os EUA não vão perder a posição de liderança no mundo e que eles dispõem de conhecimentos tecnológicos que poderão ser absorvidos por nós com vantagem.
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