Especial: Militares da reserva lembram golpe de 64; A Comissão da Verdade contra as mentiras; Protesto reflete pressão sobre Comissão da Verdade
Veteranos prestam homenagem à data que marca o início dos anos de chumbo e ativistas protestam contra o regime responsável por perseguição e morte de centenas de pessoas .
Homenagens e protestos marcaram o 31 de março, data dos 48 anos transcorridos desde o golpe de 1964. No Rio de Janeiro, militares da reserva se reuniram na praia da Barra da Tijuca para desafiar as críticas contra a ditadura e acompanhar um sobrevoo organizado pela Associação dos Veteranos Paraquedistas. Quatro coronéis saltaram de paraquedas carregando bandeiras do Brasil e pousaram na Praia da Reserva, no Recreio dos Bandeirantes.
Os céus da cidade também foram tomados por um avião que levava uma faixa com os dizeres "Parabéns, Brasil. 31 de março de 64", em alusão à data em que os militares tomaram o comando do país. Ao lado de outros militares da reserva, o deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) acompanhou a manifestação. Desde o ano passado, o Exército aboliu do calendário as comemorações relativas ao golpe. Os clubes militares, no entanto, ainda celebram a data, conferindo às manifestações cunho menos institucional.
Paralelamente às manifestações militares, militantes dos direitos humanos aproveitam a data para lembrar as vítimas da ditadura. Em Sorocaba (SP), os perseguidos pelo regime militar foram homenageados ontem na Praça Alexandre Vannucchi Leme. A praça ganhou esse nome em memória do estudante, vítima do regime de exceção. A homenagem foi organizada pelo PSol, que ainda divulgou nota repudiando qualquer celebração do golpe militar de 1964.
Também em movimento contrário às manifestações de homenagem aos militares, a ONG Terrorismo Nunca Mais (Ternuma) organizou uma missa em Brasília para lembrar a "alma de todos os brasileiros mortos em consequência da luta armada".
Pela internet, o grupo Levante Popular da Juventude organizou uma campanha para que os internautas marcassem posição, nas redes sociais, e protestassem contra o legado deixado pelo regime opressor. Os internautas foram convocados a pressionar o governo a instalar imediatamente a Comissão da Verdade e a abrir os arquivos secretos da ditadura.
Confrontos
Durante a semana, confrontos entre militantes dos direitos humanos e militares mostrou que as cicatrizes do regime extinto não estão totalmente fechadas. Militares da reserva tiveram a fachada de suas residências pichadas com os dizeres "aqui mora um torturador". O protesto também foi articulado pelo grupo Levante Popular da Juventude e teve adesões em sete capitais: Belém, Belo Horizonte, Curitiba, Fortaleza, Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo.
No dia 29, tumulto tomou conta do Centro do Rio de Janeiro. Trezentos representantes de movimentos sociais, partidos de esquerda e familiares de vítimas da ditadura bloquearam a entrada principal do Clube Militar e ofenderam os reservistas com palavras como "torturadores" e "assassinos". Os militares revidaram e o tumulto terminou com agressões físicas. A Polícia Militar foi acionada para dispersar a multidão.
Fonte: / NOTIMP
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Militares saltam de paraquedas no Rio em comemoração ao golpe
DO RIO - Cerca de 80 militares da reserva e familiares se reuniram sabado na praia da Barra da Tijuca, zona oeste do Rio, para assistir a oito deles saltarem de paraquedas em comemoração aos 48 anos do golpe de 1964. Não houve manifestações contrárias.
Organizador do ato, o coronel da reserva Luiz Antonio de Oliveira, 62, disse que os militares sempre comemoram a data, mas que este ano "os ânimos ficaram mais acirrados". Oliveira nega que o salto seja uma afronta.
Antes dos saltos, um avião sobrevoou a orla transportando uma faixa com a inscrição "Parabéns, Brasil! 31/03/64".
"Sou macho, mas estou arrepiado", disse o deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ). Ele pagou R$ 2 mil pela faixa e o voo.
Na segunda fase do combate no Araguaia não sobrou prisioneiro, mas do bunker de Hitler, quase todos
A Comissão da Verdade contra as mentiras
A Comissão da Verdade não poderá rever a Lei da Anistia, mas poderá desmontar quase meio século de mentiras com as quais os brasileiros são obrigados a conviver. Quem tem hoje menos de 43 anos ainda não nascera em 1969, quando a tortura foi transformada em política de Estado pela ditadura. O conflito do século passado não faz parte do seu mundo, mas as mentiras ofendem-lhe a inteligência, mutilando o direito que uma sociedade tem de saber o que aconteceu no seu país. Saber, só saber.
As mentiras não persistem em nome da pacificação dos ânimos. Acima de tudo, foram e são o exercício de um poder que busca o bloqueio da lembrança. Dilma Rousseff reconhece que participou de uma organização que matou gente que nada tinha a ver com sua luta (o caso do major alemão que foi confundido com um capitão boliviano, assassinado no Rio em 1968). Por conta dessa militância, ela foi presa, torturada e pagou três anos de cárcere. Os torturadores e assassinos que participaram do combate a essas organizações cumpriram ordens e, em muitos casos, foram condecorados e continuam protegidos por um manto de silêncio. Em seu governo, Fernando Henrique Cardoso reconheceu a responsabilidade do Estado nesses crimes, mas falta responder a perguntas que completarão meio século de silêncio.
Tome-se um exemplo, o do segredo em torno do que aconteceu no combate à Guerrilha do Araguaia.
Em 1972, o Exército soube que havia naquelas matas um projeto de foco guerrilheiro do PC do B. Eram cerca de 70 militantes. A tropa chegou em abril e, até dezembro, capturou oito guerrilheiros, entre eles José Genoino, atual assessor do ministro da Defesa. Nesse período, morreram 12 combatentes da organização comunista e oito foram capturados. Processados e condenados pela Justiça Militar, cumpriram suas penas e foram libertados.
Em outubro de 1973, o Exército iniciou uma nova operação. Depois do Natal não havia mais guerrilha. Restavam apenas fugitivos e só dois escaparam. Um era o comandante militar do foco; o outro, seu guia. O efetivo do PC do B ficou reduzido a algo como 35 militantes.
A mentira impõe aos brasileiros a ideia de que eles desapareceram. Só um foi visto morto. Talvez tenham sido recolhidos numa clareira por um disco voador albanês. Depoimentos colhidos posteriormente mostram que houve casos de prisioneiros mortos semanas depois de terem sido capturados. Sumiram até mesmo os que se renderam, convidados a entregar as armas em panfletos assinados por militantes presos na primeira fase e por exortações feitas por militares que usavam megafones nos helicópteros.
Entre dezembro de 1973 e fevereiro de 1974, a operação militar do Araguaia foi comandada pelo então coronel Nilton Cerqueira. Como major, em 1971, ele estava na cena em que o ex-capitão Carlos Lamarca foi fuzilado, no interior da Bahia. Em 1981, comandava a Polícia Militar do Rio de Janeiro quando uma bomba explodiu no colo de um sargento do DOI e estripou um capitão no estacionamento do Riocentro. Em sua carreira só teve uma derrota. Enfrentou os bicheiros da cidade e viu-se exonerado. Nos anos 90, o general presidiu o Clube Militar e, em 1994, elegeu-se deputado federal pelo PP. O governador Marcelo Alencar (PSDB) nomeou-o secretário de Segurança.
Talvez ele possa contar o que aconteceu numa campanha militar que, sob seu comando, não conseguiu capturar vivo um só prisioneiro. Só contar.
Em maio de 1945, os alemães abandonaram o bunker de Hitler embaixo da chancelaria do Reich. Da equipe do führer eram umas 20 pessoas, civis e militares. Naquele caos, sumiu só a nutricionista. A arcada dentária do desaparecido Martin Bormann, a maior autoridade a bordo do bunker, foi identificada em 1998. Os aliados e o Exército Vermelho capturaram quase todos, inclusive o dentista da SS que ajudou a sedar as seis crianças de Joseph Goebbels que seriam envenenadas. Dos que foram levados para a Rússia, pelo menos um morreu e outros ficaram presos até a segunda metade dos anos 50. A secretária de Hitler foi solta pelos ingleses em 1946. O suboficial SS Rochus Misch, que servia como telefonista, está vivo, com 95 anos.
Fonte: / NOTIMP
---Protesto reflete pressão sobre Comissão da Verdade
ALFREDO JUNQUEIRA, HELOISA ARUTH STURM
A criação da Comissão da Verdade e o debate sobre a revisão da Lei da Anistia são os motivos apontados por oficiais da reserva para o conflito ocorrido na quinta-feira na saída do Clube Militar, após evento comemorativo de 48 anos do golpe de 1964.
Cerca de 300 manifestantes de partidos de esquerda e movimentos sociais cercaram a sede do clube e xingaram de "assassinos" e "torturadores" militares que passavam pelo local. Ovos e tinta vermelha foram atirados. Foi preciso a intervenção da Polícia Militar, que chegou a prender manifestantes.
"O clima político com essa criação da Comissão da Verdade criou uma certa ansiedade na população. A gente está assistindo a uma expectativa que não é boa. Isso pode levar a um movimento de desordem que nós não desejamos", disse o presidente do Clube Naval, almirante Ricardo Antônio da Veiga Cabral.
Para o vice-presidente do Clube Militar, general da reserva Clovis Bandeira, os "donos da verdade querem impor a sua vontade aos outros cidadãos".
A mobilização para o ato em frente ao Clube Militar ocorreu por meio das redes sociais. Um vídeo postado pelo cineasta Silvio Tendler no início da semana no YouTube teve 13 mil visualizações. "É inadmissível que exista gente que ainda hoje pretenda comemorar o golpe de 64. Eu convoco todos os jovens, todas as pessoas com ideais democráticos, a manifestar o seu apreço pela liberdade, pela democracia, e pelo direito de expressão", diz Tendler no vídeo.
Para a professora do Departamento de Sociologia e Política da PUC-Rio Maria Celina d"Araujo, a mobilização contra a comemoração reflete a postura radical de parte dos militares da reserva contra a Comissão da Verdade. "Essa minoria organizada está reagindo à forma como os generais da reserva têm lidado com o tema. As entrevistas desses militares têm sido veementes. O tom tem sido deselegante com a presidente Dilma Rousseff e o ministro Celso Amorim", disse Maria Celina. "Eles (generais da reserva) querem usar um poder de veto para sustar essa discussão. Isso não existe numa democracia."
Fonte: / NOTIMPLeia também: