Privatização dos aeroportos de Guarulhos, Viracopos e Brasília abre novos voos para a economia
Antonio Machado .
Fechado para pousos e decolagens por mais tempo do que o razoável, o programa de ampliação dos grandes aeroportos deverá decolar nesta segunda-feira, evitando o colapso anunciado — resultado do aumento vertiginoso do tráfego aéreo no Brasil nos últimos cinco anos e do estrangulamento do espaço disponível —, das operações dos terminais de Guarulhos e Viracopos, ambos em São Paulo, e de Brasília.
Tais aeroportos serão os primeiros a ir a leilão, vindo depois o do Galeão, no Rio de Janeiro, e outros em série, de modo que, ao fim do processo de concessões, restem apenas os menos movimentados, em cidades menores, sob a tutela da estatal Infraero — monopolista da administração aeroportuária até agora. Ela sai da área sem sair.
Conforme o arranjo negociado entre a presidente Dilma Rousseff e dirigentes sindicais do setor, além de ouvidos também a CUT e o PT, a Infraero, já sob a direção do ex-diretor do Banco Central Gustavo do Vale, terá 49% de todas as concessões, sem que isso lhe dê poder de veto nem implique aos novos operadores a obrigatoriedade de ter de contratar funcionários da estatal. Mas ninguém será dispensado.
Foi um acerto tecido com cuidado para descaracterizar ao menos em parte o sentido privatizante das concessões, poupando o PT e seus aliados à esquerda do desconforto de ser contraditado em períodos eleitorais, quando a bandeira estatizante tem se revelado eficaz.
Não se trata do melhor acordo em termos da eficiência do uso dos recursos públicos, mas foi o possível para destravar a solução para os problemas financeiros e de gestão de uma das áreas mais ineptas da administração federal. Além de "melhor eficiência operacional", como diz um dos documentos da licitação, o processo de concessão de aeroportos "busca consolidar um novo modelo de gestão do setor".
A seguir como está, com a estatal Infraero monopolizando a gestão dos aeroportos, não será nem o tráfego extra, previsto para os dias dos grandes eventos da Copa do Mundo, em 2014, e das Olimpíadas, em 2016, o causador de vexames inenarráveis. Já hoje raro é o dia em que voos não são atrasados e mesmo cancelados devido à carência da infraestrutura, sobretudo em São Paulo, Rio e Brasília.
Afastando arrivistas
O leilão será concorrido, disputado por nove a 12 consórcios entre empresas brasileiras e operadores estrangeiros de aeroportos. Eles vêm de toda parte: dos EUA, da Europa e mesmo de países emergentes, como Índia e China. Isso se deve às regras do edital de licitação, preparado pela Agência Nacional da Aviação Civil (Anac) conforme o roteiro de consultorias contratadas pelo BNDES para esboçar a rota do processo e a avaliação do Tribunal de Contas da União (TCU).
Uma das regras determina a presença, nas sociedades de propósito específicas (SPEs), que vão deter as concessões, de pelo menos um operador com experiência em aeroporto com tráfego de cinco milhões de passageiros/ano em um dos últimos 10 anos. Só empresas de fora atendem tal requisito, pensado para afastar candidatos arrivistas.
Infraero sai sem sair
Exagero? Talvez. Mas Dilma cuidou de afastar tudo o que implicasse o risco de criar problemas políticos, como a contrariedade do PT e dos sindicatos, e pudesse ser alvo de contestação na Justiça, razão das consultas prévias ao TCU. Temeu até pela falta de concorrentes — algo difícil, à luz do interesse do capital estrangeiro em buscar opções mais rentáveis que nas economias avançadas em crise. Mas não descartável, dada a aversão a um modelo em que o sócio majoritário vai conviver com uma estatal, dona de 49% do negócio, na sua cola.
Excessos preventivos
As condições do apoio do BNDES aos novos concessionários garantem o interesse de qualquer recalcitrante. Ele poderá financiar 80% do investimento total, sendo 70% ao custo da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), de 6% ao ano, e 20% a juros de mercado. O prazo vai a 15 anos para os aeroportos de Guarulhos e de Brasília (cujo período de concessão é de 20 anos), e a 20 para Campinas (com concessão por 30 anos). Em suma: só uma tormenta imprevisível impedirá o leilão.
Melhor pecar pelo excesso que a situação atual, com os aeroportos recorrendo a "puxadinhos" para aguentar a vazão e a Anac obrigando as empresas a compartilhar o check-in — evidências de um cenário de caos já instalado, ameaçador da segurança de um setor tão sensível.
O modelo tripartite
O governo trabalha com a expectativa de que a privatização de uma área até então tida como inexpugnável à tendência mundial de passar à gestão de empresas particulares quebre os eventuais resquícios de desconfiança do capital quanto aos riscos do investimento no país.
Mas sirva também para consolidar esse modelo de parceria público-privada, no qual o governo está muito perto do negócio, como sócio relevante e financiador, embora só interfira por meio da regulação setorial — o papel revisitado de agências tipo Anac. Se funcionar, abrirá uma avenida para viabilizar os muitos projetos, a maioria de infraestrutura, mas não só, estocados à espera de investidores.
A preferência é pelo capital nacional. Em sua falta, será como o desenho das concessões dos aeroportos: tripartite, com estatais ou financiamento público e capital estrangeiro fechando a parceria.