Aeroportos: Com "troca de dono", Brasília espera modernização rápida
Em 1957, quando o turboélice presidencial Viscount pousou pela primeira vez no aeroporto definitivo de Brasília, o pernambucano Heleno Figueira Ramos ainda não estava por lá. Mas já no ano seguinte, entusiasmado com as notícias sobre a construção da nova capital, ele decidiu fazer as malas em Olinda e partir em direção ao Planalto Central, para carregar as dos outros.
Há mais de cinco décadas, Heleno pode ser visto todos os dias no mesmo lugar: a área de desembarque do aeroporto internacional Juscelino Kubitschek, o único do país que já existia antes mesmo de inaugurada a cidade que o abriga.
Como carregador de bagagens, prestou serviços a dezenas de políticos, viu companhias aéreas nascerem e morrerem, testemunhou obras que fizeram do aeroporto de Brasília o quinto maior da América Latina em movimentação de passageiros. Para ele, no entanto, nenhuma mudança teve tanto impacto quanto a proliferação dos carrinhos de bagagens nos terminais.
"Éramos 13 carregadores, hoje somos 5. Às vezes, passamos o dia todo sem serviço. Quando tem alguma coisa, a gorjeta é muito menor do que antes. Mas, se ficar parado em casa, é pior ainda", afirma Heleno, 75 anos, mais de dois terços deles indo diariamente ao aeroporto. Hoje, com diabetes, reduziu o expediente: só de segunda a sexta, do início da manhã ao fim da tarde.
Como há quase meia década, quando carrinhos começaram a substituir carregadores de bagagens, Heleno se prepara para outra mudança pouco trivial: a "troca de dono" do aeroporto, um dos três que serão concedidos ao setor privado na segunda-feira.
Kubitschek, o presidente dos "50 anos em 5" que batizou o aeroporto, ficaria animado com o cronograma de obras imposto ao futuro concessionário: em menos de 24 meses, o consórcio vencedor do leilão precisará aumentar em 2 milhões a capacidade anual de passageiros, construir novo pátio para 24 aeronaves (com 15 pontes de embarque e desembarque) e oferecer 2.240 vagas adicionais no estacionamento de veículos.
Ao todo, são R$ 626 milhões de investimentos só nesses dois primeiros anos - o equivalente a 54% da execução orçamentária da Infraero em 2011, a maior de sua história, para uma rede de 66 aeroportos. Hoje, o aeroporto tem capacidade para 14 milhões de passageiros por ano (segundo cálculos otimistas), pátio para 39 aeronaves (com 13 pontes) e estacionamento com 1.034 vagas.
O ritmo das obras provavelmente assustará Heleno e outros frequentadores do aeroporto, acostumados com uma velocidade muito menor e prazos bem mais relaxados. A construção do "satélite sul", uma estrutura circular no terminal, ao redor da qual poderiam parar pelo menos sete aviões e que ampliaria em 3,6 milhões de passageiros por ano a capacidade do aeroporto, foi incluída no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em 2007. Deveria ter ficado pronta, conforme promessa feita na época pela então ministra Dilma Rousseff, até dezembro de 2010. Sem maiores explicações, o projeto foi abandonado.
Intervenções menores, aparentemente simples, podem ter prazos inexplicáveis no calendário da Infraero. Hoje, uma das poucas obras visíveis para quem chega ao aeroporto de Brasília é a construção de quatro banheiros, em andares diferentes. O prazo de conclusão, estipulado em 12 meses pela estatal, é metade do que tem o futuro concessionário para reformular todo o terminal.
A construção de uma rampa central de acesso às salas de embarque, que mudará o layout do terminal e aumentará de 71 para 87 o número de balcões de check-in das empresas aéreas, está parada há quatro meses - e os tapumes continuam infernizando a vida de passageiros e de lojistas, embora não haja um único pedreiro trabalhando dentro deles. Houve imprevistos com a parte hidráulica e com a rede de cabos, segundo a Infraero, que agora promete a conclusão das obras em junho.
Lojas que funcionam perto das obras inacabadas viram seu faturamento cair de 25% a 30%. Nos estudos encomendados pelo governo para conceder os aeroportos, a estimativa é que as receitas não tarifárias aumentem de R$ 70 milhões para R$ 236 milhões por ano, nos 25 anos de duração do contrato em Brasília. Calcula-se que 28% dessas receitas venham de aluguéis comerciais.
Marcos Birbeire, dono de uma joalheria no terminal e presidente nacional da Abrasca, entidade que representa os lojistas em aeroportos, pede que os contratos vigentes sejam honrados pelo futuros concessionários privados, mas acha que a tendência é positiva. "Pior do que está não fica."
Birbeire explica: com a determinação da Infraero de não renovar mais os contratos antigos e relicitar todos os espaços comerciais, os aluguéis chegam a multiplicar seus valores, como o da lanchonete na praça de alimentação, que pagava R$ 40 mil por mês e passou a desembolsar quatro vezes mais. Com isso, sustenta o presidente da Abrasca, piora a qualidade dos serviços e há insegurança quanto ao retorno sobre os investimentos. "Temos lojas aqui que estão fechadas há mais de quatro anos", afirma.
O aeroporto de Brasília, onde trabalham 4.000 pessoas de forma permanente, ganhou importância e mudou de vocação nos últimos dez anos. Com a reorganização da malha aérea das companhias, o tempo em solo ficou cada vez menor e há cada vez menos voos ponto a ponto.
A nova estratégia das empresas impôs a lógica dos "hubs" - centros de distribuição de passageiros - e a localização geográfica de Brasília entrou na rota das aéreas. O superintendente regional do Centro-Oeste da Infraero, André Luis Marques de Barros, diz que em torno de 60% dos passageiros de Brasília transitam pelo aeroporto em conexão.
Por isso, o governo criou uma taxa de R$ 7 para as conexões, que serão cobradas das empresas - e, provavelmente, repassadas ao custo do bilhete. No caso de Brasília, o superintendente garante que será possível arrecadar cerca de R$ 7 milhões por ano com a nova taxa, o suficiente para inverter o resultado deficitário do aeroporto e deixá-lo no azul, conforme os números da Anac.
Barros, que já atuou como superintendente do Galeão, vê sua tarefa em Brasília como mais complexa. "Esse aeroporto exige uma logística operacional muito requintada. Ele é enxuto, recebe um número enorme de passageiros e de aeronaves, mas todos ficam relativamente pouco tempo no aeroporto", diz o executivo.
Depois de quase uma década sem a necessidade de balcões para a inspeção de passaportes, o aeroporto de Brasília voltou a ter rotas internacionais e desperta o interesse cada vez maior de empresas estrangeiras. TAP, American, Delta, Copa, Pluna e TACA já fazem voos regulares. Os passageiros domésticos, no entanto, vão representar 84% das receitas tarifárias ao longo da concessão.
Hoje, o aeroporto recebe 15,4 milhões de viajantes por ano, o equivalente a 110% da capacidade máxima, mais que o dobro do verificado em 2003. A demanda é concentrada em apenas quatro horas, no início da manhã e no fim da tarde. No restante do dia, o cenário é de salas mais confortáveis.
Cheio ou vazio, nada passa despercebido aos 267 "olhos" de Roberto Brito, chefe de segurança do aeroporto. Em breve, ainda com investimentos feitos pela Infraero, sua sala de operações terá 1.017 câmeras em alta definição. Na semana passada, a equipe de Brito identificou um estrangeiro suspeito e acionou a Polícia Federal. Não deu outra: um exame de raio-X detectou dezenas de cápsulas de cocaína no estômago. Em outras ocasiões, as infrações são menores ou até folclóricas: ele já viu pequenos golpes, taxistas clandestinos tentando apanhar passageiros desavisados e casais "atrevidos".
Brito trabalha com três escalas - verde, amarelo e vermelho - de ameaça à segurança. Em uma cidade frequentemente visitada por chefes de Estado estrangeiros, ele se orgulha do histórico de tranquilidade. "Nunca tivemos, em meus sete anos de experiência no aeroporto, um alerta vermelho", garante. Na Copa do Mundo de 2014, Brito espera manter o desempenho, mas sabe que será o início de um aeroporto bem diferente do atual. (DR)
Fonte: / NOTIMP