Aeroportos: Ameaça aérea em Confins
Impasse cerca depósito de lixo que atrai urubus e traz risco à segurança de voos do maior aeroporto de Minas. Interditado, aterro que afronta normas federais e determinações do estado ainda pode demorar três meses para ser desativado .
Paola Carvalho e Landercy Emerson .
Um animal que aos mais desavisados pode parecer inofensivo ameaça a segurança operacional do maior aeroporto de Minas Gerais, provoca um impasse que atinge pelo menos quatro cidades da Região Metropolitana de Belo Horizonte e ontem mobilizou autoridades federais, estaduais e municipais em busca de soluções. Com cerca de 330 pousos e decolagens que movimentam 25 mil passageiros a cada dia, o Aeroporto Internacional Tancredo Neves, em Confins, tem a segurança de milhares de usuários comprometida por urubus atraídos pelo aterro sanitário de Vespasiano, que recebe diariamente 170 toneladas de lixo do próprio município e das vizinhas Confins, Lagoa Santa e São José da Lapa. O depósito não poderia funcionar, por estar a 5,7 quilômetros do terminal aéreo, bem menos que o mínimo de 20 quilômetros estabelecido em resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), como garantia da área de segurança aeroportuária. A origem do problema foi atacada ontem, mas a solução não é simples e ainda deve demorar pelo menos 90 dias para começar a sair do papel.
O aterro já foi interditado por decisão da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), no dia 20, pois a concentração de urubus estaria colocando em risco a operação das aeronaves. Na tarde de ontem, autoridades dos quatro municípios, Ministério Público (MP), Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero), Agência de Desenvolvimento da Região Metropolitana e Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) se encontraram na Cidade Administrativa em busca de acordo. No sábado venceu o prazo para que as atividades do aterro de Vespasiano fossem paralisadas, sob pena de multa diária. E, passada a data, foi determinado que o município encontre uma destinação regularizada ambientalmente para o lixão. O problema é que, atendida a limitação do Conama, nenhuma das quatro cidades pode receber o depósito de detritos em seu território.
Os quatro prefeitos, liderados pelo de Vespasiano, Carlos Murta (PMDB), pleiteiam um termo de ajustamento de conduta (TAC) para desativação em 90 dias. O secretário de estado-adjunto de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Danilo Vieira Júnior, informou que a proposta será analisada pelo governo de Minas, MP e Infraero. Enquanto isso o município deverá cumprir medidas emergenciais rigorosas, como recobrimento do lixo, recuperação da área degradada e esgotamento da água contaminada.
O prefeito de Vespasiano reclama da pressão. Segundo ele, o aterro começou a funcionar em 1948 e o aeroporto de Confins entrou em operação nos anos 1970. Em 1995 veio a resolução do Conama, com legislação específica de proteção do entorno de aeroportos quanto a atividades de "natureza perigosa, que sirvam como foco de atração de aves". Em 2001, o estado passou a exigir a regulamentação dos lixões. "Até aí nunca tínhamos sido procurados. Depois da exigência do governo estadual, contratamos uma consultoria para transformar o lixão em aterro sanitário", disse. Murta informou ter entrado com medida cautelar na Justiça, informando não ter como fazer o fechamento imediato, por não haver onde jogar o lixo, embora a determinação já tenha mais de 10 anos. "É uma questão de saúde pública e de bom senso", argumenta.
O problema, alega o prefeito, é que com todas as regras que surgiram, especialmente a da distância em relação ao aeroporto, o município não conseguiu a regularização. Pelo mesmo motivo de Vespasiano, as outras três cidades tampouco poderiam ter aterro sanitário. "Não estamos fechando os olhos para a questão de segurança no aeroporto, mas não temos como resolver a situação por nós mesmos", afirmou o prefeito de São José da Lapa, Francisco Freitas (PT).
USINA Uma alternativa defendida pelos prefeitos – e que o estado sinaliza como viável – está em Matozinhos, também na Grande BH. Com recursos do Fundo de Recuperação, Proteção e Desenvolvimento Sustentável das Bacias Hidrográficas do Estado de Minas Gerais (Fhidro), está sendo construída ao custo de R$ 3 milhões uma usina que dá destinação aos resíduos sólidos urbanos. Confins e Lagoa Santa já fazem parte do consórcio de municípios beneficiados, mas Vespasiano e São José da Lapa, até o momento, foram apenas convidados. "Ainda depende de análise para saber se a usina comporta o lixo das cidades", disse o secretário-adjunto. "É a melhor alternativa", opina o presidente da Associação dos Municípios da Região Metropolitana (Granbel) e prefeito de Lagoa Santa, Rogério Avelar.
Na usina de Matozinhos é feita a separação manual dos resíduos sólidos, com retirada de metal e vidro. Em seguida, o restante do lixo é triturado e enviado para um reator de micro-ondas. Nessa fase, é retirada mais de 60% da água, que se evapora. O produto, descontaminado, é então compactado em briquetes (uma espécie de carvão). Esse material pode ser enviado às empresas cimenteiras instaladas na cidade para ser transformado em combustível.
Risco para aviões
O choque das aves com os aviões, na maioria das vezes, danifica o motor, o que torna o processo de decolagem ou de pouso um perigo. O combate a atividades que atraiam pássaros, como os lixões, tem como objetivo evitar episódios como a queda, há um ano, de um avião no Rio Hudson, em Nova York, nos Estados Unidos, devido à entrada de um bando de aves na turbina. Havia 155 pessoas a bordo e, por sorte, ninguém ficou ferido.
De acordo com dados mais recentes do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), em 2009 e 2010 foram registrados 32 incidentes com aeronaves que bateram em aves no aeroporto de Confins, a metade em cada ano. Em todo o país, no ano passado, ocorreram 966 colisões com aves. Dessas, 241 (24,9%) atingiram motores, 245 (25,3%) foram nas decolagens, 146 (15,1%) nos pousos e 112 (11,5%) nas manobras de aproximação. A partir de 1996, os casos de colisões com animais saltaram de 127 por ano para 998 em 2010, número quase oito vezes maior. Das 12.505 aeronaves registradas pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) em 2010, cerca de 8% se envolveram em ocorrências do gênero.
O representante da Infraero não concedeu entrevista. Em nota, a administradora do aeroporto de Confins afirmou somente que "não cabe à Infraero apresentar solicitações a órgãos ambientais no sentido de reivindicar interdições de qualquer natureza. No caso de detecção de risco aviário, o papel da Infraero é relatar o fato aos órgãos competentes da aviação civil, a fim de que eles tomem as devidas providências". Essa ameaça foi relatada em 2011, segundo a empresa.
Memória
Falcão elimina perigo
Em junho de 2008, o Estado de Minas publicou reportagem sobre o pequeno Pavarotti, um falcão de coleira adestrado para prevenir colisões de aves com aviões que decolavam do aeroporto da Pampulha, em BH. O projeto fazia parte do Plano de Manejo de Avifauna, que constatou 20 casos de colisões de pássaros com aviões em 2007. Após a adoção da falcoaria, os acidentes foram reduzidos para 11 no terminal, o primeiro do país a adotar a técnica. Adestrados, os falcões capturavam no entorno outros pássaros, que eram marcados com anilhas para monitoramento e encaminhados a fazendas conveniadas com o Ibama. De acordo com dados do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos, em 2005 grandes empresas aéreas mundiais sofreram prejuízos superiores a U$$ 5 milhões com esse tipo de acidente.
Fonte: / NOTIMP