Companhias aéreas burlam proteção a passageiros
Norma da Anac que prevê assistência em caso de atrasos e cancelamentos de voos vira letra morta no cotidiano dos aeroportos .
Gabriel Caprioli .
A tentativa de moralizar o atendimento das companhias aéreas aos passageiros, feita pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) com a publicação da Resolução nº 141, tem sido insuficiente para impedir o desrespeito à população nos aeroportos. Interpretadas da forma mais conveniente e menos dispendiosa pelas empresas, as determinações deveriam proteger os usuários, mas estão virando letra morta no dia a dia dos terminais. Não bastassem os frequentes atrasos e cancelamentos de voos, pululam os exemplos de recusa das companhias em prestar assistência material ou dar informações precisas aos clientes.
Editada em 2010, a resolução fixa um conjunto de obrigações — como colocar à disposição canais de comunicação (telefone e internet), alimentação e acomodação — que deve ser cumprido pelas empresas para minimizar o impacto de atrasos e cancelamentos (veja arte). Apesar disso, o volume de reclamações no Juizado Especial do Aeroporto Juscelino Kubitschek permanece alto. Só em dezembro, 607 casos foram registrados. No período de férias, as queixas crescem. Em janeiro de 2011, foram 870 atendimentos e, em julho, 1.024.
A confusão deriva do próprio texto da regulamentação, que descreve de forma genérica os direitos do passageiro. Quando trata do fornecimento de alimentação após duas horas de espera, por exemplo, não especifica se o auxílio deve ser prestado no aeroporto de origem ou de destino. "É um abuso. Não respeitaram nem os idosos nem as mulheres grávidas", desabafa Bruno Farias, 21 anos. A saga do estudante de engenharia mecânica da Universidade de Brasília (UnB) ocorreu no fim do ano passado, quando tentava embarcar pela Webjet em Uberlândia (MG) para o Rio de Janeiro. O voo estava marcado para as 20h, mas, por cinco horas, Bruno e um grupo de 10 amigos, além dos demais passageiros, aguardaram no saguão, tendo à disposição somente informações desencontradas dos funcionários.
À 1h da madrugada, a companhia cancelou a partida. "Então, veio o pior. Alegaram que não havia vagas disponíveis nos hotéis conveniados e que não teriam como hospedar a gente", lembra. Os passageiros foram obrigados a dormir nos bancos do terminal e só conseguiram embarcar às 13h. A única assistência prestada pela companhia foi um lanche, servido às 6h.
A falta de informações sobre os motivos do atraso é uma das queixas mais frequentes dos passageiros. A demora em anunciar o cancelamento do voo impede, muitas vezes, que os clientes solicitem à companhia reacomodação em voos de outras empresas. Nos casos em que a hospedagem é necessária, a resolução da Anac não restringe o procedimento a hotéis conveniados.
Os especialistas em direito do consumidor entendem que a assistência aos passageiros deve ser prestada imediatamente após os atrasos, respeitando a determinação da Anac, estejam eles no terminal ou já a bordo da aeronave. "A resolução foi elaborada para atender as primeiras necessidades dos clientes. Dessa forma, precisa ser cumprida de imediato", afirma o advogado do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) Flávio Siqueira.
Maíra Feltrin Alves, assessora técnica do Procon-SP, lembra que, acima da Resolução nº 141, valem as determinações do Código de Defesa do Consumidor (CDC). "A norma da Anac trouxe um avanço, mas para compensar qualquer falha, os passageiros estão protegidos pelo CDC. A própria resolução pode ser melhorada", explica.
Overbooking
Outro ponto da norma que gera dúvidas é o que trata da reacomodação de clientes em outros voos, quando esses são impedidos de embarcar no horário reservado. "Não fica explícito se isso é uma regulamentação do overbooking (venda de mais passagens do que os assentos disponíveis na aeronave) e não pode virar uma desculpa para ele", completa Maíra. A própria Anac não deixa claro se o procedimento, proibido pelo CDC, é tolerado oficialmente. Questionada pelo Correio, a agência se limitou a dizer, em nota, que "a prática do overbooking é permitida em nível mundial. Ela gera ônus às companhias, que devem seguir as regras previstas na Resolução nº 141".
Em relação às brechas nas regras, a Anac se defendeu com o argumento de que o texto foi discutido em audiência pública e inclui termos sugeridos por passageiros, especialistas e companhias aéreas. "Todas as resoluções elaboradas são passíveis de aprimoramentos, sempre que necessário, com o objetivo de atender o interesse público", afirmou a agência. Segundo ela, o Brasil é o único país que obriga as companhias a prestar assistência em casos de atraso por mau tempo, motivo alheio à atuação da empresa.
O Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias (Snea) alega que os incidentes nos quais o atendimento não é realizado de forma adequada devem ser considerados como pontuais. "É preciso analisar cada caso. Mas, no geral, as companhias estão cumprindo restritamente a norma", avaliou a entidade por meio de sua assessoria de imprensa.
Individualmente, as empresas também garantem seguir as determinações. "A empresa orienta os funcionários a cumprir rigorosamente as determinações legais. A Webjet é absolutamente favorável à legislação e entende que, além de uma proteção ao consumidor, ela é também um instrumento que auxilia a companhia aérea a esclarecer o que precisa e deve ser concedido", informou. A Gol reforça o discurso: "A Gol treina seus colaboradores para que atendam os clientes da melhor forma possível, de acordo com o determinado pela legislação", esclareceu a empresa. Ambas afirmam não praticar o overbooking. Procurada pelo Correio, a TAM não retornou o contato.
Fonte: / NOTIMP
Foto: Mario Ortiz