Quadrilha lucrava com mortos de desastres aéreos
PF prende criminosos que usavam os nomes de vítimas de três tragédias recentes para conseguir benefícios. Servidores do INSS são acusados de participar do esquema .
Edson Luiz .
As últimas três tragédias aéreas no país responsáveis pela morte de 569 pessoas serviram como fonte de renda para fraudadores da Previdência Social. Os nomes de nove vítimas dos acidentes com os aviões da Gol, em 2006; da TAM, em 2007; e da Air France, em 2009; foram usados por servidores do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para forjar documentos a fim de demonstrar parentescos com os mortos que não tinham familiares e, assim, conseguir pagamentos de pensões e aposentadorias irregulares. Ontem, duas operações realizadas pela Polícia Federal (PF) — Caixa Preta e Miragem, deflagradas no Rio de Janeiro e em São João do Meriti, na Baixada Fluminense — levaram 16 pessoas para a cadeia. Entre elas, cinco funcionários do instituto, responsáveis por um prejuízo de R$ 3 milhões aos cofres públicos.
A descoberta das fraudes partiu do próprio INSS, por meio da Força Tarefa Previdenciária, que também é integrada por PF, Ministério Público Federal e Assessoria de Pesquisa Estratégica e Gerenciamento de Riscos da Previdência Social. Na investigação, foi detectada uma ação até então desconhecida no país. A quadrilha selecionou pessoas que morreram nos três últimos desastres aéreos para serem as vítimas do golpe. Depois de constatarem que os falecidos não tinham dependentes, forjaram documentos para receber pensões contínuas, indenizações e até mesmo empréstimos consignados.
Um fato chamou a atenção dos investigadores: o período em que as pensões eram requeridas. "Parentes de mortos em acidentes costumam dar entrada nos benefícios em média 20 dias depois da fatalidade", observa a superintendente do INSS no Rio, Maria Alice Rocha Silva. Porém, nesse caso, o grupo entrou com os processos um ano depois do último desastre aéreo, que foi o da Air France, o que alertou os fiscais da Previdência Social. O primeiro pedido de benefício foi feito em julho do ano passado e, a partir disso, outros requerimentos foram encaminhados aos postos da Previdência no Rio. Os nomes das vítimas usados indevidamente pelos fraudadores não foram divulgados, já que o inquérito corre em segredo de Justiça.
Segundo a Polícia Federal, as pessoas escolhidas entre os mortos dos desastres aéreos eram normalmente solteiras, não tinham filhos ou seus dependentes já eram maiores de idade. Dos nove nomes levantados durante a investigação, quatro foram vítimas do acidente com a aeronave da Gol que colidiu com um jato Legacy sobre a Floresta Amazônica; duas estavam no avião da TAM que saiu da pista e atingiu um edifício próximo ao Aeroporto de Congonhas (SP); e três eram passageiros do Airbus da Air France que caiu no mar, próximo à costa brasileira.
Os fraudadores levantaram as informações das pessoas por meio de notícias na imprensa e pela internet. A apuração da PF mostrou que, a cada mês, o prejuízo aos cofres públicos ficava em torno de R$ 28 mil, e a soma final, contabilizada a partir de 2007, está em torno de R$ 3 milhões. Cerca de 120 CPFs foram cancelados e 115 pessoas podem ser indiciadas por participação direta ou indireta nas irregularidades.
Fonte: / NOTIMP
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Parentes defendem mais investigações do governo
Para familiares, é necessário mais cuidado antes da concessão de pensões
Força Aérea Brasileira lamenta, em nota, suposta utilização de documentos para irregularidades
RICARDO SCHWARZ
Familiares das vítimas dos voos 1907 da Gol e 3054 da TAM receberam com surpresa a revelação das fraudes em benefícios previdenciários de pessoas que morreram nos acidentes.
"É mais um caso que nos revolta, entristece. Precisamos lidar com a dor de tudo o que já aconteceu e ainda presenciar esse tipo de coisa", disse Rosane Amorim Guejahr, diretora da Afav (Associação de Familiares e Amigos do Voo 1907) e que perdeu o marido no acidente.
O presidente da Afavitam (associação das famílias do voo da TAM), Dario Scott, que perdeu a filha, classificou o golpe como "desumano".
"Recebemos com indignação essa notícia. Se esses parentes falsos estavam recebendo, alguém da família de fato deixou de ser beneficiado. É desumano", afirmou.
"DESCONSIDERAÇÃO"
Para a Associação das Famílias das Vítimas do Voo 447 da Air France, essas fraudes mostram que houve "desleixo" e "desconsideração" aos familiares das vítimas do acidente por parte das autoridades brasileiras.
"Isso é um completo desleixo do governo brasileiro porque eles teriam que investigar um pouco mais [antes de conceder os benefícios], ter um pouco mais de tato para lidar com esses casos", disse à Folha Newton Marinho, integrante da associação e irmão do passageiro Nelson Marinho.
A Afav e a Afavitam não souberam informar quais as famílias lesadas pelo esquema que foi desmontado pela Polícia Federal.
FURTOS
A fraude desmontada pela PF é um novo escândalo envolvendo vítimas de acidente aéreo no Brasil.
A Afav acusa um brigadeiro da Aeronáutica de furtar objetos e pertences dos mortos na operação de resgate do acidente em 2006 envolvendo o voo da Gol.
Segundo Guejahr, foram realizados financiamentos de carros e motos com documentos de vítimas do acidente.
"Partes dos corpos foram decepadas para pegar anéis e brincos. Eu recebi documentos do meu marido, chaves e a carteira dele, mas o dinheiro que havia dentro sumiu", afirmou a diretora da associação.
A FAB (Força Aérea Brasileira) afirmou, por meio de nota, que os pertences encontrados acompanharam os corpos transportados nos aviões da FAB, em câmara frigorífica fechada até o IML de Brasília, e que mais tarde o próprio IML encaminhou esse material aos familiares.
O texto afirmou também que a FAB "lamenta profundamente" que documentos pessoais de vítimas do acidente tenham sido usados em transações diversas, supostamente de forma fraudulenta.
Fonte: / NOTIMP
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Vítimas da Gol foram pilhadas
Em 2007, reportagem do Estado denunciou que os corpos das vítimas da tragédia do voo 1907, envolvendo um avião da Gol, em 29 de setembro de 2006, foram pilhados. Documentos importantes de alguns dos 154 mortos estavam sendo usados por falsários. Um deles chegou a usar informações de uma das vítimas para comprar um automóvel.
Houve até o caso do celular de uma das vítimas que, dez dias depois do acidente, quando só tropas das Forças Armadas trabalhavam no local da queda do Boeing, apareceu em um subúrbio do Rio. Familiares das vítimas da tragédia também reclamaram do furto de dinheiro, cartões de crédito, documentos, aparelhos eletrônicos e malas. Nem a cúpula da Força Aérea nem a empresa aérea admitem a pilhagem às vítimas e muito menos responsabilizaram-se.
Fonte: / NOTIMP
Foto: Agencia Brasil