Artigo: Privatização dos aeroportos
Alécia Paolucci Nogueira Bicalho .
A Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) teve êxito no leilão realizado em 22 de agosto, na BM&FBovespa, para a delegação à iniciativa privada do primeiro aeroporto internacional federal (São Gonçalo do Amarante, Natal/RN), sob o regime de concessão para construção parcial, manutenção e exploração. O valor de R$170 milhões do lance vencedor representou ágio oficialmente divulgado de 288%. O modelo de desestatização tradicional aprovado pelo Conselho Nacional de Desestatização (concessão) foi o mesmo adotado para o trecho da Ferrrovia Norte – Sul, subconcedido à Vale em 2008, e deve ser replicado na delegação de portos em fase de ampliação de suas infraestruturas.
Nesse modelo, as estatais – cujo papel vem sendo paulatina e discutivelmente transferido às agências reguladoras – são preservadas, e a exploração e operação dos serviços são transferidas à iniciativa privada, precedidas de investimentos em infraestrutura. O modelo de privatização dos aeroportos hoje sob foco no Programa Nacional de Desestatização tem sido amplamente debatido desde o primeiro semestre, quando o governo iniciou ações concretas para efetivar a participação da iniciativa privada na reestruturação do setor aeroportuário.
Essa vertente era previsível, diante das dificuldades da Infraero na gestão dos aeroportos, das medidas corretivas impostas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) às suas licitações e contratos, além das limitações orçamentárias à modernização e expansão da infraestrutura de transportes terrestres em geral. O assunto ganhou maior relevo com a aproximação da Copa e das Olimpíadas, que constituíram o mote do fato legislativo – tido como inevitável pelo governo em prol da agilidade das contratações necessárias a estruturar o país para hospedar as competições – da Lei 12.462/11 (Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC). A recente lei, de agosto, é alvo de duas Adins perante o STF (uma ajuizada em 21/08/11 pelos partidos PSDB, DEM e PPS e outra ajuizada em 09/09/11 pelo Procurador-geral da República).
De qualquer forma, a nebulosidade inicial quanto ao regime jurídico da noticiada privatização dos aeroportos vai se arrefecendo; parece claro, a esta altura, que a opção é por um modelo de privatização transversa da Infraero. Ao contrário do que ocorreu na venda da Vale, efetivada no regime de privatização tradicional, a opção para os aeroportos parece partir da preservação da estatal, que não seria leiloada; desenha-se a constituição de empresas com capital público e privado.
Assim a Infraero não seria privatizada stricto sensu, mas seus ativos (os aeroportos) seriam delegados à iniciativa privada num regime de gestão societária e operacional compartícipe, no âmbito de empresas compostas por governo e particulares, para a conjugação de esforços na melhoria da infraestrutura aeroportuária.
Trata-se de mais uma fórmula do governo para a consecução de um dos objetivos fundamentais da República, o desenvolvimento nacional, contando com a eficiência da iniciativa privada e tendo o BNDES como agente de fomento. A medida tem sido adotada em outros setores, por vias jurídicas distintas. Cite-se o Complexo Industrial da Saúde, programa que busca a autossuficiência tecnológica da indústria farmacêutica nacional por meio da transferência de tecnologia de laboratórios privados aos públicos, para a produção de medicamentos considerados essenciais pelo Ministério da Saúde.
O regime híbrido de desestatização eleito – da privatização de ativos, e não da estatal – é criativo, embora não elimine as dúvidas: de um lado, sobre os destinos da Infraero, que fica evidentemente esvaziada; de outro, sobre a atratividade ao setor privado de uma aliança de tal extensão com o poder público, a resultar do compartilhamento da estrutura societária.Quanto à Infraero, concluo com lição aprendida do saudoso professor Carlos Pinto Coelho Motta: numa linha evolutiva, assim como o ser humano, os organismos estatais têm um ciclo de vida, são criados num contexto histórico-político para cumprir uma função e, tendo-o feito, se extinguem.
Fonte: / NOTIMP