Viagem aérea: do glamour à canseira
Não bastasse a péssima infraestrutura dos aeroportos, companhias têm mostrado despreparo para atender à demanda crescente de passageiros .
Renée Pereira .
O glamour e a comodidade que caracterizavam o transporte aéreo ficou definitivamente no passado. Hoje viajar de avião virou sinônimo de transtorno. Não bastasse a péssima infraestrutura dos aeroportos, as companhias aéreas, que durante anos primavam pela qualidade dos serviços, têm revelado despreparo para atender à demanda crescente de passageiros, em torno de 20% ao ano.
Exemplo disso foi o aumento do volume de multas aplicadas pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), especialmente por causa de problemas no atendimento. Entre 2007 e 2010, o valor arrecadado saltou 2.053%, de R$ 808 mil para R$ 17,4 milhões. No ano passado, cerca de 74% dos autos de infração foram mantidos após recurso das empresas - a maioria com o valor original proposto pela Anac.
Na prática, esse avanço é o reflexo dos problemas dos cidadãos que usam o transporte aéreo, como atraso e cancelamento de voos, bagagens desviadas (ou danificadas), filas para check-in e uma completa falta de comunicação com os passageiros. Muitos deles viajam pela primeira vez de avião e só conhecem os bons serviços das companhias de ouvir falar.
O problema parece estar longe do fim. Até porque o valor das multas é muito pequeno diante do faturamento bilionário das empresas. Além disso, na maioria das vezes, as companhias não reconhecem a responsabilidade pelos transtornos e culpam a falta de estrutura dos aeroportos e dos órgãos do governo (como a polícia federal) pelos conflitos.
"Na medida em que há múltiplas ineficiências, fica mais fácil relaxar nos padrões de qualidade. Afinal, pode-se dizer que o problema é da infraestrutura", afirmou um especialista que prefere não se identificar.
Na avaliação do engenheiro aeronáutico Jorge Medeiros, professor de transporte aéreo e aeroportos da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, a qualidade dos serviços está sendo desprezada pelas empresas, que não atendem espontaneamente os direitos dos passageiros. "É preciso espernear para conseguir alguma coisa", diz ele, que já trabalhou em grandes companhias aéreas.
Medeiros faz questão de lembrar que a Varig já foi eleita a empresa com o melhor serviço de bordo do mundo. "Mas isso lá na década de 60, quando as empresas tinham motivação própria para melhorar os seus serviços." Naquela época, havia até menu à la carte, diferenciado por destino. Mas não é preciso tanto para satisfazer os consumidores, que querem apenas mais conforto e tranquilidade nas suas viagens.
Para alguns especialistas, a deterioração da qualidade dos serviços já não pode mais ser atribuída ao aumento da demanda, que tem sido constante. Isso porque, da mesma forma que as companhias precisam se aparelhar para comprar novos aviões, elas também teriam de melhorar a gestão do atendimento ao consumidor.
A explicação estaria na fórmula para reduzir custos e manter as margens. Com tarifas baixas, permite-se a entrada de novos passageiros no sistema, mas a qualidade dos serviços diminui. Isso também decorre de outro problema: embora haja concorrência entre tarifas, não há concorrência entre serviços. Todas mantêm o mesmo padrão, bem abaixo da média.
Vulcão. O assistente técnico do Procon-SP, Marcos Diegues, cita como exemplo de despreparo das empresas o episódio das cinzas do vulcão chileno, que provocaram nas últimas semanas atrasos e cancelamentos de voos. "O problema foi causado pela força da natureza. Mas os transtornos que surgiram desse fato mostraram que as empresas não se importam com os clientes. Estamos vendo situações que se repetem sistematicamente."
Na avaliação dele, o problema poderia ser resolvido com um bom canal de comunicação entre empresas e consumidor. Em vez disso, as companhias deixam os passageiros sem informação nos aeroportos por horas. "Qualquer consumidor submetido a essas situações fica fora do eixo", diz Diegues, referindo-se aos conflitos da semana passada no Aeroporto de Guarulhos.
O advogado do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Lucas Cabette Fabio, lembra que há regras que precisam ser obedecidas em caso de atrasos e cancelamentos. Na primeira hora, a empresa precisa oferecer comunicação aos passageiros; na segunda, alimentação; a partir da quarta hora, ressarcimento do valor da passagem ou cancelamento, sem multa. Se o consumidor não estiver no local de origem, a empresa é obrigada a pagar hospedagem.
Ao contrário das regras, tem sido comum verificar consumidores dormindo em cima de malas ou nas cadeiras desconfortáveis dos aeroportos. Por causa desses e de outros problemas, o número de manifestações no setor aéreo subiu 73,5% entre 2009 e 2010, para 39.577, segundo a Anac. A agência destaca, porém, que o aumento pode ser decorrente do lançamento do sistema Fale Anac em 2008, que teve ampla divulgação em 2009.
Para Marcos Diegues, do Procon-SP, a chave para resolver o problema está no fortalecimento da regulamentação e na firmeza da agência reguladora para punir os desvios de conduta das empresas, que prestam um serviço essencial para a população. Hoje, avaliam especialistas, há uma fragilidade institucional muito grande no setor. A fiscalização e regulação ainda são frouxas.
Diegues destaca ainda que, recentemente, o Procon-SP autuou a TAM pela venda do "assento conforto". Para sentar na primeira fileira ou nas poltronas das saídas de emergência, mais espaçosas, os passageiros têm de pagar taxa extra.
Em nota, a Gol destacou que em todos os casos de atrasos ou cancelamentos presta atendimento necessário aos passageiros. Diz ainda que tem colaboradores qualificados nos aeroportos e lojas para atender os clientes. A TAM também foi procurada, mas não pode responder porque os executivos da companhia estavam em evento externo.
Fonte: / NOTIMP