A oportunidade de defender o espaço aéreo brasileiro
Em meados de março, uma coalizão de países atacou a Líbia, para fazer cumprir a Resolução nº 1.973 da ONU, de maneira a impedir os ataques a civis e grupos de oposição pelo regime líbio. A coalizão, mesmo com disputas políticas internas pela liderança e condução da operação, logrou destruir a Força Aérea e as defesas antiaéreas líbias em cinco dias, tendo perdido apenas um avião, aparentemente devido a problemas técnicos. A defesa aérea da Líbia era considerada a segunda melhor da África, superada apenas pelo Egito.
Havia sido construída e preparada ao longo de décadas baseada no conceito de defesa aérea da antiga União Soviética, muito conhecido pelas forças da coalizão devido a semelhanças com os sistemas já empregados na antiga Iugoslávia e no Iraque. O sistema de defesa antiaérea da Líbia incorporava sistemas de mísseis e comando e controle atualizados até a década de 80 quando os investimentos nessa área começaram a diminuir. Novos aviões de combate haviam sido comprados pela Força Aérea Líbia, mas não haviam sido recebidos até o início dos combates.
A situação demonstra a importância de um país contar com um sistema de defesa do espaço aéreo atualizado e integrado para garantir sua soberania.
O Brasil enfrenta, há muito tempo, um cenário de fortes restrições orçamentárias no setor de defesa nacional apoiado por uma cultura que não incentiva a ampla discussão das possíveis ameaças ao país e a sua soberania.
A defesa aeroespacial brasileira tem responsabilidades compartilhadas entre as Forças Armadas. Cabe à Força Aérea Brasileira, o comando das operações, por meio do Comando de Defesa Aeroespacial Brasileiro (Comdabra), a defesa aérea por meio de aeronaves de caça apoiadas por aeronaves de alerta aéreo e a defesa antiaérea das bases aéreas. O Exército tem a responsabilidade de defesa antiaérea de pontos estratégicos do país e de suas próprias forças e a Marinha contribui com a defesa aérea em situações particulares vinculadas a disposição de suas forças. Não cabe aqui comentar a situação das aeronaves de caça por se tratar de tema bastante explorado.
A capacidade de defesa antiaérea disponível no país está tecnologicamente defasada, sendo insuficiente para a cobertura e proteção de pontos estratégicos ou de parcela significativa do território nacional. As razões dessas limitações são todas decorrentes do ambiente orçamentário e não da capacidade das Forças Armadas em desenvolver requisitos e conceitos operacionais avançados para fazer frente a possíveis ameaças. Estas desenvolvem e atualizam continuamente sua doutrina e têm acompanhado a evolução dos sistemas disponíveis no mercado,
Surge agora uma janela de oportunidade para uma transformação radical dessa situação.
A partir dos atentados terroristas de 2001, as agências e organizações internacionais passaram a exigir que os grandes eventos esportivos tenham uma proteção aérea adequada. Trata-se de um assunto que não é normalmente discutido junto ao público, mas que demanda forte planejamento, mobilização, integração e envolve altos custos. Eventos como a Copa do Mundo de Futebol e Jogos Olímpicos são considerados como eventos com alta criticidade com relação a riscos de atentados terroristas. A proteção de grandes eventos deve ser feita por combinação de defesa aérea associada à defesa aérea integrada. A defesa antiaérea para grandes eventos deve ser altamente integrada e otimizada para uso em ambientes urbanos. Os sistemas de armas devem minimizar possíveis efeitos colaterais sobre a população civil e a cadeia de comando e controle precisa ser bastante robusta para evitar erros de identificação de alvos.
A Copa de 2014 representa um dos maiores desafios em proteção de grandes eventos em todos os tempos. As dimensões do país, a diversidade geográfica e ambiental, o atual estado dos sistemas de defesa aérea e antiaérea, a quantidade de cidades-sede (12) a ser protegidas, o tempo disponível para a compra, recebimento, treinamento e operacionalidade de um novo e moderno sistema de defesa antiaérea são os grandes desafios.
Se não forem atendidas as exigências de segurança para os grandes eventos, tanto a FIFA como o COI podem cancelar os eventos no país e transferi-los para outros países. Essas organizações têm diversos planos de contingência. Em uma Copa do Mundo recente, o país foi obrigado a alugar sistema de defesa antiaérea de outros países e pagou o que pediram para isso. Além disso, e muito mais importante, as características peculiares, protocolos e procedimentos do país foram expostos aos países que alugaram e operaram os sistemas no país, em uma clara violação de soberania.
Os grandes eventos esportivos no Brasil representam uma oportunidade única para a aquisição de um novo e moderno sistema de defesa antiaérea. Essa oportunidade permite uma transformação radical na capacidade de defesa antiaérea do país.
A indústria nacional deverá ser profundamente envolvida no novo sistema, desde novas tecnologias de radar e sensores, mísseis com sistemas de guiamento avançados, sistemas integrados de comunicação e comando e controle.
A janela de tempo para tal decisão se fecha ao longo do ano.
Fonte: Revista Força Aérea, nº 69 / ADMINISTRADORES.COM.BR / NOTIMP