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Aeroportos: Copa do jeitinho



O governo admite afrouxar licitações, numa decisão lamentável, embora previsível .

As portas estão se abrindo para os desvios .

Márcio Pacelli .

Depois de tantas tempestades em mar revolto, o Brasil vem dando sinais inequívocos de que avistou terra firme. Mas, se os avanços são reais na economia, eles não se dão no enfrentamento das demandas comuns às nações mais avançadas. A incompetência para a reforma e a entrega, em tempo hábil, dos aeroportos das cidades-sedes da Copa do Mundo de 2014 e os atrasos nas obras de estádios e de sistemas de transporte são um exemplo. Leniente, o governo agora pretende oficializar a exceção como regra. Já admite afrouxar licitações, numa decisão lamentável, embora previsível. As portas estão se abrindo para os desvios.

Diante da realidade patente de que os terminais aeroportuários não ficarão prontos para o mundial de futebol, dada a lentidão paquidérmica da estatal Infraero, encontra-se a brecha para a flexibilização das regras. Até então, alimentava-se a esperança de que, agora mais respeitado internacionalmente, o Brasil não faria concessões às empreiteiras para que entregassem as obras no prazo. Nas próximas semanas, porém, o contribuinte saberá detalhes sobre o mais novo salvo-conduto preparado pelo Palácio do Planalto e pelo Congresso Nacional para as obras da Copa: o Regime Diferenciado de Contratações Públicas.

Funciona mais ou menos assim: imagine que você é o governo brasileiro, não fez o que deveria (não licitou projetos de infraestrutura em tempo hábil) e, agora, está em dificuldades. Então, como única solução, decide mudar as regras e pagar o preço para cumprir a meta. Seria uma saída óbvia, não fossem os bilhões de reais a mais a serem despejados nos projetos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e pela Caixa Econômica Federal. Antes mesmo do afrouxamento das exigências, a reconstrução do Maracanã já teve seu custo elevado em cerca de 50%. Agora, nada impedirá que os desembolsos sejam ainda maiores.

Fase do vale-tudo


O novo discurso para justificar a pressa já começou a ser construído. Na sexta-feira, um dia depois de o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), um órgão do próprio governo, ter abalado a Esplanada dos Ministérios ao afirmar que nove dos 12 aeroportos das cidades-sedes não serão entregues até a Copa, a titular do Planejamento, Miriam Belchior, antecipou como a questão será tratada. “Tenho certeza que não vamos passar vergonha. Como sempre, vamos fazer bonito”, disse. Em tradução livre, avisou que estamos na fase do vale-tudo. Ou seja, não há hipótese de o país ficar pronto até 2014 sem recorrer ao velho jeitinho brasileiro.

Contundente, o estudo elaborado pelo Ipea sobre os aeroportos não revelou informações que já não se soubessem. Mostrou que todos os projetos estão ainda engatinhando, alguns dando os primeiros passos, mas todos longe de decolar. Constatou o óbvio: que só há tempo para construir “puxadinhos” (instalações provisórias). Escalado para consertar o estrago feito, Wagner Bittencourt, titular da Secretaria de Aviação Civil — órgão com status de ministério criado pela presidente Dilma Rousseff — garantiu que tudo está dentro do cronograma. Mas, sem um plano concreto, ele não conseguiu convencer ninguém.

De volta ao Brasil após uma semana na China, Dilma vai tratar do imbróglio dos aeroportos com seus auxiliares mais próximos. Não restam dúvidas de que, ao estilo da presidente, muitas cobranças serão feitas. Ela se baseará em um relatório do ministro do Esporte, Orlando Silva, que mostrará uma situação bastante preocupante. No caso dos estádios, apenas o projeto de financiamento para o Rio de Janeiro está aprovado pelo BNDES, mas nem um centavo foi liberado. A maioria ainda se encontra na fase da demolição das antigas estruturas. Os projetos de mobilidade urbana (sistemas de transporte e acessos aos locais das partidas) são os que mais assustam. Das 12 cidades sedes, apenas cinco têm contratos assinados com a Caixa e com o BNDES, sendo que um deles foi paralisado pela Justiça.

Exemplo ruim do Pan


Pelo orçamento aprovado até aqui, estádios e obras de transportes consumirão R$ 5,7 bilhões e R$ 11,7 bilhões, respectivamente. Os aeroportos demandarão outros R$ 5,6 bilhões — dos quais, até agora, só R$ 137,7 milhões foram gastos. O pecado mora nas exceções. Com menos exigências para a liberação dos recursos, muito provavelmente essas cifras se multiplicarão. O último grande evento organizado pelo país, os Jogos Pan-Americanos, foi um péssimo exemplo de gestão pública. Sob o mesmo pretexto de “fazer bonito”, o país despejou R$ 4 bilhões na realização da competição, um valor 10 vezes maior que o orçamento original.

Para piorar a situação, some-se à complacência com as licitações os sinais de que o Tribunal de Contas da União (TCU) fará vista grossa para o desembolso dos recursos. Em um relatório recente, o ministro Valmir Campelo disse que a orientação é “atuar de forma pedagógica, no máximo de cooperação com a administração, objetivando prevenir atraso de modo a comprometer a realização do evento”. Se tivesse se tornado sério, o Brasil não precisaria voltar a recorrer a casuísmos para cumprir suas obrigações. A Alemanha, país sede da Copa de 2006, entregou seus estádios com quase quatro anos de antecedência, sem transtornos ou denúncias de corrupção. Deve ser exatamente por isso que os alemães são os alemães.

Fonte: CORREIO BRAZILIENSE / NOTIMP

Foto: Andomenda








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