"Precisamos de Marinha e Petrobras no estudo do mar"
Com o orçamento federal apertado para reduzir a dívida pública, diz ministro de Ciência e Tecnologia, solução será buscar apoio entre empresas e militares.
Sabine Righetti.
Tornando-se ministro de Ciência e Tecnologia após ser derrotado nas eleições para governo de São Paulo, Aloizio Mercadante, nomeado há poucas semanas, assumiu o cargo falando em tirar do papel projetos científicos ambiciosos (e caros).
Entre os projetos, um novo reator nuclear, um anel de síncrotron mais moderno e um observatório do ecossistema marinho ("Amazônia Azul") em tempo real.
Vamos ter dinheiro para tudo isso? Em entrevista exclusiva à Folha, Mercadante disse que sim, já que os recursos devem vir também das empresas. E instituições como a Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), de apoio à pesquisa, podem virar banco de inovação.
Para Mercadante, um um foco mais empresarial poderia dar à ciência nacional um novo impulso.
O senhor tem falado em tirar do papel projetos caros. Parece que sua gestão vai fazer investimentos de grande porte.
Quando a gente olha o Brasil hoje, vemos que não podemos pensar pequeno. Temos tecnologia de ponta, por exemplo na agricultura. Veja a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). A agricultura brasileira teve um superavit de mais de US$ 70 bilhões. A Embrapa hoje está exportando tecnologia para a África.
A aeronáutica, no complexo ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), CTA (Centro Técnico Aeroespacial) e Embraer, é outro modelo exitoso. Onde o Brasil concentrou esforços, houve retorno.
Estamos com um projeto para construir um novo anel de luz síncrotron em Campinas (SP), de terceira geração. O atual, de 1988, é usado por cerca de 3.000 pessoas por ano, de várias áreas.
Nós precisamos de parceiros para poder viabilizar esse projeto, que deve custar em torno de R$ 350 milhões.
Também tive reuniões sobre o laboratório de nanotecnologia da Unicamp e sobre o reator multipropósito [destinado à pesquisa científica e à fabricação de radiofármacos], que deve ser construído em Iperó (SP) [ao custo de cerca de R$ 800 milhões].
Nós temos de concentrar forças nas novas fronteiras do conhecimentos pensando em projetos como a nanotecnologia e a biotecnologia.
Somos o 13º colocado hoje nos rankings internacionais de produção científica, nosso impacto está aumentando. Mas, na inovação, ainda temos um desafio.
Qual é o desafio da inovação?
Temos de repensar o marco legal e os incentivos à inovação. Viemos de uma cultura industrial que não estimulou a inovação. Tivemos um longo período em que não havia importações, então também não havia inovação. Agora, com estabilidade econômica, o Brasil voltou a crescer, e é hora de criar instrumentos para que as empresas realmente olhem para pesquisa e desenvolvimento, principalmente na área de sustentabilidade.
Investir no pré-sal não é contraditório com a bandeira "verde" da gestão?
O petróleo é uma energia não renovável, mas ainda é um produto que se desdobra em 3.000 produtos: toda cadeia de nafta, plástico, etc. A economia é muito dependente do petróleo. Temos de utilizar isso inteligentemente.
Mas temos também de investir em energias renováveis, como eólica e solar. Falando em sustentabilidade, estamos agora começando a analisar o CBA (Centro de Biotecnologia da Amazônia).
O CBA tem uma estrutura enorme, mas está parado.
O centro tem uma excelente estrutura laboratorial, mas agora estamos estudando parcerias com empresas da área de fármacos e alimentos. Minha primeira orientação é buscar gerar valor agregado para produtos que já temos na Amazônia, como açaí e castanha-do-pará.
Temos de gerar alternativas sustentáveis para 25 milhões de pessoas que moram lá. A pesquisa científica é importante para diversificar essas cadeias produtivas.
Mas há empresários que ainda patinam para fazer inovação no Brasil.
Tanto a pesquisa quanto a inovação são atividades de risco. Muitas vezes você pesquisa um assunto e não descobre o que esperava. Mas, ao não descobrir, você reduz a necessidade de uma próxima pesquisa. O fato de não se chegar àquilo que se espera pode não ser negativo. Na inovação é a mesma coisa.
Uma coisa que começo a discutir são as formas de financiamento à inovação.
Por exemplo?
Uma ideia é que os bancos financiadores sejam sócios no produto final da inovação. Ou seja: eles compartilham o risco, mas, se der certo, também ganham. Esse é o modelo dos EUA. Precisamos avaliar como fazer isso.
Como não temos ainda esse mercado industrial desenvolvido, os bancos públicos devem ajudar. Faremos um grande esforço para que a Finep seja uma instituição financeira de fomento à inovação. Deve continuar apoiando a pesquisa, mas será também um banco da inovação.
Se isso acontecer, haverá muito mais liberdade de atuar. É preciso fazer formas de parcerias com as empresas. O CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), por exemplo, está dando bolsas para que pesquisadores atuem nas empresas. É preciso fomentar a inovação.
Parece que só teremos notícias boas nos próximos anos.
(risos) Outra notícia boa é o Laboratório Nacional da Amazônia Azul. Já temos o modelo da estrutura do laboratório, uma sonda que será utilizada em alto-mar. Estive em reunião com membros dos cinco principais cursos de oceanografia do país e com empresas como a Vale, Braskem e Petrobras para viabilizar esse projeto.
É importante conhecer o mar, as cadeias alimentares, as correntes marítimas, as ondas... E o estudo do mar pode viabilizar inovações na área de fármacos e de recursos minerais, por exemplo.
O orçamento vai dar para tudo isso? O MCT teve um corte de 10% em relação ao ano passado.
A única coisa que vai viabilizar tudo isso são as parcerias. Temos dois navios oceanográficos na Marinha, a Petrobras tem plataformas, temos uma sonda que pode ser usada para pesquisa (e não mais para uso comercial). A logística do pré-sal também vai viabilizar isso. Podemos usar essa logística para o laboratório. O mar merece isso.
Viveremos um período de restrições orçamentárias. O país fez um esforço grande para sair da crise -o mundo inteiro fez- e precisamos continuar a reduzir a dívida. Então os juros podem cair e o país poderá crescer mais.
E quanto aos desastres naturais? O senhor anunciou um programa de prevenção de desastres. Como será isso?
São várias frentes nesse programa. Primeiro, a parte de equipamentos e previsão do clima. Temos agora um supercomputador [no Inpe, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais] que analisa dados de satélite. Isso aumenta a capacidade que tínhamos de 20 km para 5 km na região da precipitação.
Precisamos de radares climatológicos, que mostram a precipitação com mais precisão, cerca de seis horas antes da chuva.
Também necessitamos de cerca de 700 coletores pluviométricos, que vão ser colocados nas áreas críticas, e também temos de fazer um levantamento geomorfológico para as regiões de risco, que ainda não existe. Nesse levantamento, precisamos ter um plano para remover uma população.
Pretendemos implantar isso para ter bons resultados já no próximo verão. Os melhores resultados possíveis. E o maior desafio está nas regiões mais pobres. Vamos ter de fazer um mergulho no Brasil profundo.
Frases
"Viemos de uma cultura industrial que não estimulou a inovação. Tivemos um longo período em que não havia importações, então também não havia inovação"
"Uma ideia é que os bancos financiadores sejam sócios no produto final da inovação. Ou seja: eles compartilham o risco, mas, se der certo, também ganham. É o modelo dos EUA. (...) Como não temos ainda esse mercado industrial desenvolvido, os bancos públicos devem ajudar"
"Viveremos um período de restrições orçamentárias. O país fez um esforço grande para sair da crise -o mundo inteiro fez- e precisamos continuar a reduzir a dívida. Então os juros podem cair e o país poderá crescer mais."
ALOIZIO MERCADANTE
Ministro de Ciência e Tecnologia
Fonte: FOLHA DE SÃO PAULO / NOTIMP