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Brasil-EUA: desconfianças mútuas






Cristiano Romero.

Pode haver uma explicação para a fritura sofrida pelo ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, na reta final do governo Lula. Como se sabe, a possibilidade de o chanceler permanecer no cargo na gestão Dilma foi descartada publicamente pelo presidente. Lula também o desconvidou, na véspera, a participar de reunião do G-20 em Seul. A razão pode ser o Irã.

O chanceler defendeu posição desapaixonada sobre o envolvimento do Brasil com o regime de Mahmoud Ahmadinejad. Isso fica claro em comunicação feita a Washington pela embaixada dos Estados Unidos em Brasília e vazada pelo site WikiLeaks. Ainda inédito, o documento narra encontros, ocorridos em agosto do ano passado, de delegação chefiada pelo general James L. Jones, assessor de segurança nacional do presidente Barack Obama, com autoridades brasileiras.

Numa das conversas, Amorim classifica de "excelente" o aceno feito por Obama ao Irã logo no início do mandato - o líder americano ofereceu um "novo começo" aos iranianos. "Se eles não responderem, então, o que eles querem?", indagou o chanceler. Ele esclareceu que a relação Brasil-Irã não é profunda, mas "pragmática" e dominada por preocupações de natureza comercial, e que não deveria ser supervalorizada.

"Nós não somos "buddies" [camaradas]", assegurou Amorim, segundo telex assinado pela diplomata Lisa Kubiske. Em seguida, ele diz que está preocupado com a ideia de se proibir o Irã de enriquecer urânio para fins pacíficos.

Essa é, sem dúvida, uma abordagem distinta da que prevaleceu mais tarde, quando Lula se engajou com o líder iraniano, chamando-o, inclusive, de "companheiro". Já havia a desconfiança, em Brasília, de que o chanceler não aprovava a aventura brasileira no Irã, um tema sensível não só para os EUA, mas também para a maioria dos parceiros tradicionais do Brasil. A empreitada não deu certo e Lula acabou vendo sua imagem internacional se desgastar.

Setores do Itamaraty sempre viram em temas como o Irã uma oportunidade para o Brasil reafirmar sua independência em relação aos EUA. Na questão nuclear, a preocupação é legítima. Se o país assiste, impávido, à comunidade internacional impedir uma nação de enriquecer urânio com fins pacíficos, não demorará muito e o veto chegará ao Brasil. Ocorre que, se o regime iraniano não tem a mesma reputação do brasileiro, não parece razoável que o país se alie aos aiatolás para defender interesses que são comuns apenas na aparência.

Os relatos vazados pelo WikiLeaks revelam um grau acentuado de desconfiança mútua entre Brasil e EUA. Os brasileiros foram francos e pragmáticos. Ao debater o uso de bases militares colombianas para combate ao narcotráfico, Amorim lembrou que oficiais americanos já sugeriram que a tríplice fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina seria "um alvo legítimo" dos EUA, caso atividades terroristas fossem descobertas lá.

O assessor presidencial Marco Aurélio Garcia disse que o tema das bases "cheirava à Guerra Fria" e era surpreendente, uma vez que as Farc nunca estiveram tão fracas quanto agora. Ele foi além ao afirmar que a única ameaça de segurança para os EUA na América Latina vem do México. E desqualificou a descoberta de que as Farc possuem armas de destruição de tanques, fabricados pela Suécia e vendidos originalmente à Venezuela. "Não há tanques em conflitos de insurgência", afirmou.

A então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, admitiu ao general James Jones que é "desconcertante" ser questionada pela imprensa sobre bases americanas na Colômbia. Para ela, iniciativas como essa abrem a porta para "radicais" interessados em criar problemas na região.

Amorim e Marco Aurélio disseram que não têm interesse em fazer uma mediação entre os EUA e a Venezuela e propuseram que os americanos criem um canal direto com Hugo Chávez. "Amorim sugeriu que um bom diálogo EUA-Venezuela teria também um impacto na situação doméstica da Venezuela porque muitos da oposição a Chávez têm laços com os EUA", relata o telex.

Ao tratar de Honduras, Amorim criticou Chávez, dizendo que ele queria transformar o presidente Manuel Zelaya (deposto por um golpe de Estado) num "mártir". O chanceler disse que o governo brasileiro convenceu Chávez de que "os EUA podem influenciar o que acontece em Honduras" e, por isso, precisavam ser consultados. Amorim censurou também o governo americano por não agir de forma mais firme contra o então governo transitório de Honduras e por ter feito concessões demais a Roberto Michelletti, o presidente interino.

Em outro trecho do telex, Amorim critica a decisão americana de retirar a Bolívia do ATPDEA, o sistema de preferências tarifárias criado para oferecer alternativas econômicas aos países andinos produtores de cocaína. Já Marco Aurélio Garcia queixou-se do bloqueio, pelos EUA, da venda de aviões Super Tucano na região.

Numa outra passagem, Marco Aurélio sustenta que o presidente de Cuba, Raul Castro, é mais pragmático e menos ideológico que seu irmão Fidel. O assessor vê Cuba, diz o relato da embaixada americana, seguir o mesmo caminho do Vietnã e Raul, um líder da transição. Diz ainda que só faz sentido o Brasil ajudar Cuba a construir um porto de grande calado se os EUA desenvolverem uma relação comercial com aquele país.

Cristiano Romero é editor-executivo e escreve às quartas-feiras

Fonte: VALOR ECONÔMICO, via NOTIMP




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