Quem vai garantir seu embarque?
As empresas aéreas se comprometeram a seguir as regras do governo para evitar o caos aéreo no fim do ano.
Ainda falta combinar com os funcionários.
Humberto Maia Junior.
A Anac, a agência do governo que regula a aviação, se reuniu no início da semana com representantes das principais empresas aéreas que atuam no país e anunciou um pacote de medidas para evitar que o final de ano traga um novo capítulo do caos aéreo. Desde 2006, os transtornos para quem voa são conhecidos: atrasos ou cancelamentos, terminais superlotados e passageiros desassistidos. Desta vez, a Anac e as empresas entraram em acordo sobre as responsabilidades de cada parte.
O governo se comprometeu a aumentar em 14% o número de controladores de voo e a manter de plantão 120 funcionários da Anac nos 11 principais aeroportos do país. Eles deverão fiscalizar os procedimentos das empresas e auxiliar os passageiros a embarcar no horário. As empresas ficaram com a maior parte da responsabilidade. Elas serão obrigadas a manter aeronaves reservas de prontidão para decolar em casos de imprevistos; terão de manter abertos todos os balcões de check-in nos horários de pico e não poderão vender passagens aéreas além da capacidade da aeronave – uma prática comum no mundo inteiro conhecida como overbooking.
Dá para confiar nessas promessas? “Não”, diz Cláudio Candiota, presidente da Associação Nacional em Defesa dos Direitos dos Passageiros do Transporte Aéreo. “As companhias aéreas não respeitam leis, liminares nem acordos internacionais. Por que vão dar bola para esse pedido da Anac?” Algumas delas até já admitiram ter vendido passagens a mais para o período de festas, embora todas garantam que respeitarão as novas regras.
O overbooking é uma prática comercial aceitável na maior parte do mundo para resguardar as empresas aéreas do prejuízo provocado pelos passageiros que reservavam assentos e não apareciam para o embarque. Para compensar esses lugares vazios, as empresas aceitam reservas em número maior que os assentos disponíveis contando com certo número de desistências de última hora. Quando esse cálculo falha, e comparecem ao embarque mais passageiros que assentos, é preciso oferecer alguma compensação aos que não embarcarão. Como hoje não se pode reservar uma passagem sem comprá-la no ato, o overbooking na verdade é um “overselling”, ou venda em duplicidade – algo ilegal. “Vender o que não se pode entregar é obter uma vantagem ilícita mediante fraude”, diz o advogado Amadeu de Almeida Weinmann, autor de cinco livros sobre Direito Penal. “É estelionato. Um desprezo a nossas leis.”
O resultado dessa prática pode lesar os passageiros – e por isso as empresas têm sido acionadas na Justiça. “Existem diversas ações nos Procons e Ministérios Públicos. Já ganhamos várias liminares”, diz Candiota. “Mas elas não são cumpridas, e as multas não são pagas.” A Resolução 141 da Anac prevê que, em casos de overbooking, atraso e cancelamento de voos, as companhias aéreas façam o realocamento em outros voos. Se isso não for possível, elas devem providenciar acomodações e fazer o reembolso da tarifa.
O pacote tem caráter emergencial. Vale até 3 de janeiro. Para cumprir o combinado com a Anac, as empresas precisarão fazer investimentos. A TAM informou ter contratado 350 tripulantes desde setembro e 700 aeroviários ao longo do ano. A Gol diz que contratou 150 funcionários. Juntas, TAM, Gol, Azul e Webjet prometem manter prontas um total de 12 aeronaves reservas. Isso porque o movimento nos aeroportos em dezembro é cerca de 11% maior que a média do resto do ano.
“As medidas são necessárias, mas paliativas”, diz o professor da Universidade de São Paulo (USP) Jorge Medeiros, especialista em transporte aéreo. Para ele, o risco vai permanecer até que haja investimentos para aumentar a capacidade dos aeroportos, saturados pelo aquecimento da economia e pela maior oferta de passagens aéreas. Além disso, ainda não há controladores de tráfego suficientes para monitorar os aviões no ar. “Precisamos de medidas estratégicas, não de correções táticas”, diz Medeiros.
Ainda que tenha havido boa vontade da Anac em colocar seus funcionários de plantão no fim do ano e que exigir um compromisso das empresas seja o mínimo para evitar maiores transtornos, vale lembrar que nenhuma empresa está imune a imprevistos. Recentemente, problemas causados por falta de aeronaves, de funcionários ou até panes em softwares prejudicaram passageiros da Gol, da TAM e da Webjet. Além disso, os sindicatos dos aeronautas e aeroviários têm reajuste salarial em dezembro. Na semana passada, houve manifestações em vários aeroportos do país. Os funcionários querem aumento de 15%. As empresas falam em 5%. Se houver greve, nenhum pacote da Anac garantirá que os voos decolem.
Fonte: REVISTA ÉPOCA, via NOTIMP