Pacote tímido pode não evitar o caos nos aeroportos
Adotado às vésperas das festas do Natal e Ano Novo, o pacote de medidas do governo para evitar o caos aéreo, no período de pico dos aeroportos, traz a marca do improviso e do descaso com que a gestão aeroportuária foi tratada ao longo das últimas gerações de dirigentes da Infraero.
Depois do apagão aéreo, no inesquecível fim de ano de 2006, e de vários outros incidentes e acidentes, o pacote parece mais uma medida paliativa do que uma solução efetiva dos problemas que afligem os aeroportos do país.
O problema não está na prática de "overbooking" pelas empresas, proibida pelo governo em seu pacote natalino, mas na falta de investimentos em infraestrutura e de planejamento de médio e longo prazos.
O overbooking - venda de passagens maior que o número de assentos disponíveis na aeronave - não é necessariamente um mal. Trata-se de prática para evitar que as aeronaves decolem com assentos vazios e para contribuir para a rentabilidade das empresas aéreas.
A solução, adotada por diversos países quando há mais passageiros que lugares disponíveis, é a realização de um leilão instantâneo no qual são oferecidas passagens adicionais, o pernoite em hotel de luxo e dinheiro aos clientes da empresa que concordarem em ceder seu lugar marcado no avião. Tem funcionado.
Tem funcionado em outros países, claro, menos no Brasil, onde as empresas não negociam com seus clientes, graças a um sistema que não é claro sobre deveres e direitos das empresas e dos consumidores, no qual o órgão regulador, a Agência Nacional de Aviação (ANAC), foi capturado pelas companhias de aviação.
Na realidade, o novo pacote do governo traz medidas que deveriam ser direito natural, tais como o acesso do passageiro a telefone e internet, após uma hora de atraso na partida do avião; e alimentação, após duas horas. A partir das quatro horas de atraso, o passageiro passa a ter direito a acomodação no próprio aeroporto ou em hotel, com transporte pago; e quem desistir da viagem terá direito a reembolso integral do valor da passagem.
Nada disso assegura a tranquilidade do tráfego nos aeroportos nas festas de fim de ano e nas férias. Na realidade, a Infraero parece só haver "despertado" para a questão por causa de problemas que já ocorreram este ano com duas companhias aéreas devido a déficit de mão de obra, no fim do trimestre, e à jornada excessiva de funcionários.
Para dezembro, o número estimado de passageiros nos principais aeroportos do país é de 14 milhões, um aumento de 12% em relação a igual período de 2009. O país cresce num ritmo forte, cada vez mais pessoas andam de avião, mas o governo caminha noutro passo: até outubro de 2010, apenas 22% dos investimentos previsto para todo o ano foram efetivamente executados.
Nesse compasso, não é de se estranhar a previsão de órgãos e empresas do setor aéreo, segundo as quais cerca de 18% dos voos marcados para dezembro devem atrasar mais de 30 minutos ou ser cancelados, o que só ressalta o caráter paliativo das medidas anunciadas pelo governo.
É urgente que o novo governo trate com a prioridade devida a questão dos aeroportos. Os preparativos para a Copa do Mundo preveem investimento de R$ 5,6 bilhões até 2014, a maior parte concentrada nos anos de 2012 e 2013, o que não deixa de ser um risco. O cronograma da Copa, diga-se, já está atrasado.
Na campanha eleitoral, a presidente eleita, Dilma Rousseff, comprometeu-se com a abertura do capital da Infraero. O problema é que a Infraero não tem patrimônio e o processo pode atrasar ainda mais o que não pode mais esperar - as obras de infraestrutura aeroportuária.
Por uma questão ideológica, o atual governo tem se mostrado refratário à privatização dos aeroportos - hoje, na verdade, verdadeiros shopping centers dotados de pistas de pouso e decolagem que pouco ou quase nada têm a ver com a aviação militar estratégica.
Outra hipótese seria a concessão de aeroportos à iniciativa privada. O que importa é que o governo não corre no mesmo ritmo do crescimento da aviação civil, e quando chega o fim do ano se vê obrigado a adotar medidas que soam mais como pedido antecipado de desculpas.
Fonte: VALOR ECONÔMICO, via NOTIMP