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Insegurança pública






A presença de militares no Rio criou mais nós no velho problema de participação, ou não, das Forças Armadas.

Janio de Freitas.

A PRESENÇA de militares na Vila Cruzeiro e no Complexo do Alemão não resolveu e ainda criou mais nós no velho problema da participação, ou não, das Forças Armadas em ações contra a bandidagem armada. Ou seja, contra a insegurança interna: da população, de atividades industriais e imobiliárias em determinadas áreas, e de presença de serviços do Estado sem licença dos chefes locais, caso de obras do próprio governo, como o PAC.

Foi por força desse problema que coube à PM e à Polícia Civil do Rio serem a força avançada na invasão da Vila Cruzeiro, conduzida sua primeira leva por blindados dos Fuzileiros Navais. À Marinha foi pedido, e prontamente atendido, o auxílio de alguns blindados de transporte dos fuzileiros. Ao Exército foi pedido auxílio de tropa, que não foi mandada à operação na Vila Cruzeiro.

Há duas versões para a omissão. Por uma, o comandante do Exército participava de solenidade quando a participação era considerada; então teve que ir, depois, a Brasília para conversar com o ministro da Defesa sobre o assunto; e disso resultou o atraso de um dia e meio para a inclusão do Exército no conjunto de Forças.

Ainda bem que não se tratava de acontecimento grave e urgente. Na era das comunicações, Marinha, Nelson Jobim e o secretário José Mariano Beltrame tomaram as decisões preliminares por telefone. Em dez horas os blindados e seus fuzileiros estavam prontos na Vila Cruzeiro, e logo se tornaram um sucesso de público e de eficácia.

Mais simples, a outra versão, vítima de súbito sumiço depois de sucinta publicação, coincide com vários precedentes: o Exército só participaria de operação se o comando fosse seu -o que nem cabia considerar, com o planejamento pronto e tantas providências já efetivadas. Beltrame teve o mérito de não se curvar na situação e registrou para os atentos que só a Marinha estava na operação por ser a que aceitou participar, na definição consagrada, da "recuperação da Vila Cruzeiro para o Estado".

O problema do papel impreciso das Forças Armadas no Brasil em democratização projeta distorções variadas. A operação no Cruzeiro e no Alemão era propriamente policial, em conformidade com a concepção de polícia e de sua função?

Armas pesadas, de combate, não são próprias do equipamento policial. Polícias estaduais e a Polícia Federal têm, há tempos, grupos constituídos como comandos de ações de guerra, imitação iniciada pela PF por adoção dos terríveis ensinamentos difundidos, na TV, pela série "Swat". Até um uniforme sinistro (e irregular), os agentes da PF se deram e estimularam nos comandos bélicos das polícias estaduais: vestem-se de preto, botas militares, tocas ou capacetes, diversas armas militares, cartucheiras por toda parte e signos expressivos.

Tais comandos têm prestado serviços, a par de agressões aos direitos humanos e a todos os outros direitos, mas, em geral, não estão no papel de polícias. No mínimo, ocupam funções atribuídas, por lei, às PMs. E, como operações nas fronteiras exemplificam, nem das PMs, mas do Exército.

"Recuperação do território para o Estado": a frase é o centro das narrativas e considerações em todos os meios de comunicação, a respeito da operação no Cruzeiro, no Alemão e em futuros objetivos. Se, porém, um território brasileiro não está sob controle do Estado brasileiro, trata-se de anormalidade posta pela Constituição sob responsabilidade das Forças Armadas, incumbidas da segurança física nacional. E, portanto, da unidade territorial maculada se uma fração sua se põe à margem do Estado.

Essa barafunda toda vai muito bem com o Brasil, mas não tardará a fazer com que o Brasil vá mal por um novo motivo. Será o de Forças Armadas demais, cada vez maiores por necessidade, cada vez mais capazes de autonomia e, não por predicado seu, tão mais sujeitas à corrupção quanto mais poderosa a sua presença. Se a Força Nacional deve ser nacional mesmo, se conviria criar a Guarda Nacional, que explicitude deve ser dada à função das Forças Armadas -seja o que for, precisa de atenção, a começar dos olhares dos meios de comunicação.

A insegurança pública criada pela criminalidade explícita tem um outro lado, que é o meio de combatê-la sem criar outras formas de insegurança.

Fonte: FOLHA DE SÃO PAULO, via NOTIMP




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