Servidores tiveram viagem paga por cliente do governo
Despesas foram bancadas por empresa de helicópteros que mais vende ao país
Fabricante convidou grupo de funcionários do Ministério da Justiça que autoriza liberação de verba para a compra
Matheus Leitão
O fabricante de helicópteros que mais vende para o governo brasileiro pagou a viagem e a hospedagem de servidores do Ministério da Justiça responsáveis por liberar dinheiro para os Estados comprarem as aeronaves.
O secretário Nacional de Segurança Pública do ministério, Ricardo Balestreri, e mais três funcionários da pasta aceitaram um convite para visitar a Eurocopter, em Marignane, interior da França, empresa cuja subsidiária no Brasil é a Helibras.
Um programa do governo, sob a batuta de Balestreri, repassa dinheiro para os Estados, que compram, por licitação, aeronaves da Helibras e de outras empresas.
Neste ano, foram comprados quatro helicópteros da empresa pelos Estados do Tocantins, Pernambuco, Mato Grosso e Maranhão.
Cada um custa entre R$ 6 milhões e R$ 8 milhões -dinheiro liberado após a ida dos servidores a Marignane. A Helibras tem vencido a maioria das licitações.
A Eurocopter também vendeu para o Brasil 50 helicópteros dentro de um acordo chamado Brasil-França.
O conselho administrativo da Helibras foi presidido nos últimos três anos pelo ex-governador do Acre Jorge Viana, petista e candidato ao Senado nesta eleição.
A viagem de Balestreri e seus subordinados ocorreu em novembro passado. Eles estavam na Europa em visita oficial a França, Israel e Espanha, entre os dias 14 e 29 de novembro.
Mas, do dia 19 a 21, desviaram a viagem oficial indo conhecer a Eurocopter. As passagens e estadias "extraoficiais" em Marignane ficaram em R$ 15 mil e foram bancadas pela Helibras.
CONDUTA
Balestreri, acompanhado dos servidores Daniel Ulisses Meireles da Rocha, Cleverson Lautert Cruz e Alex Canuto de Sá Cunha, desrespeitou o código que regula a conduta do servidor público.
O código diz que a "autoridade pública não poderá receber salário ou qualquer outra remuneração de fonte privada em desacordo com a lei, nem receber transporte, hospedagem ou quaisquer favores de particulares de forma a permitir situação que possa gerar dúvida sobre a sua probidade ou honorabilidade".
Diz ainda o código: "É permitida a participação em seminários, congressos e eventos semelhantes, desde que tornada pública eventual remuneração, bem como o pagamento das despesas de viagem pelo promotor do evento, o qual não poderá ter interesse em decisão a ser tomada pela autoridade".
No dia 22 de dezembro de 2009, quase um mês depois de ter chegado da viagem à Europa, Balestreri tentou devolver aos cofres públicos US$ 2.000, cerca de R$ 3.500, que sobraram da viagem.
SOBRA DE DINHEIRO
"Penso que o mais correto, eticamente, seria devolver tal quantia, uma vez que não fiz uso dela", escreveu o secretário em ofício.
Segundo Balestreri, houve a sobra de dinheiro por conta dos dias em que permaneceu em Marignane, com tudo pago pela Eurocopter. Em fevereiro deste ano, o Ministério da Justiça respondeu a Balestreri: "Não há necessidade de devolução de diárias".
À Folha, o secretário do ministério disse que os países ficaram "enamorados para daqui a alguns anos terem helicópteros EC725 para transporte de 28 pessoas, dentro do acordo guarda-chuva Brasil-França".
Em documento endereçado ao Comando da Aeronáutica, datado de maio de 2009, Balestreri assina pedido para que o helicóptero EC725, fabricado pela Eurocopter, seja adicionado ao acordo -pedido ainda não respondido.
Secretário afirma que desconhecia custo bancado por empresa privada
O secretário Nacional de Segurança Pública, Ricardo Balestreri, afirmou, primeiramente, que participava de uma feira de tecnologia de segurança em Paris, quando foi convidado para conhecer a sede da Eurocopter. O convite foi feito pelo governo francês, acionista da fabricante de aeronaves.
Segundo Balestreri, eles receberam "passagens aéreas em aviões de carreira", pernoitaram "duas noites na cidade". Tratou-se de "uma gentileza do governo francês". "Não há como fazer um barraco em um evento desses, uma coisa provinciana brasileira", diz.
Segundo a embaixada da França, os membros da secretaria participaram da "visita à França", quando foi possível apresentar "material e aparelhos franceses". Para ela, a missão foi "custeada pelo Brasil".
A Helibras confirmou que pagou as passagens e a hospedagem: 6.725,44 -cerca de R$ 15 mil. A Helibras afirma que os Estados coordenam as licitações para a compra das aeronaves.
Informado sobre as declarações da Helibras, Balestreri disse que não tinha "conhecimento de que qualquer gasto envolvido pudesse estar sendo pago de outra forma que não fosse por meio do governo francês". Os servidores relatam a ida à Eurocopter na prestação de contas da viagem, sem menção a custos pagos pela fabricante.
Fonte: FOLHA DE SÃO PAULO, via NOTIMP