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Gol: Puseram a culpa no software





Deu pau no sistema. Essa foi a explicação oficial para os atrasos da Gol.

O caos mostrou que os problemas do tráfego aéreo estão longe de ser resolvidos

Celso Masson e Letícia Sorg

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Os passageiros que tentaram voar pela Gol na semana passada assistiram à reprise de uma novela já conhecida dos brasileiros. A trama, que alterna cenas de suspense, desespero e abandono, foi lançada em 2006 e costuma ser exibida em novas versões, de tempos em tempos, nos aeroportos do país. Mudam alguns detalhes, mas o desfecho é sempre o mesmo: voos atrasados, passageiros desassistidos e as autoridades do setor aéreo tentando provar que está tudo sob controle. Até a quinta-feira passada, eram 195 voos da Gol cancelados e 812 com atraso de mais de uma hora.

Na segunda-feira, os atrasos afetaram 52% dos voos da empresa. Dois dias depois, o número de voos fora do horário atingia 36% do total programado. Por trás desse novo apagão não havia um motim dos controladores de voo, como em 2006, nem venda de passagens em número superior à lotação das aeronaves, como em 2007, nem mesmo uma erupção vulcânica como a que, no primeiro semestre, afetou o tráfego aéreo em todo o Hemisfério Norte. O que então teria provocado tantos atrasos?

Segundo a Gol, o que houve foi uma falha no programa que distribui as escalas dos pilotos e comissários. “Algumas tripulações atingiram o limite de horas de jornada de trabalho previsto na regulamentação da profissão e foram impossibilitadas de seguir viagem, gerando um efeito em cadeia”, informou a empresa, em nota.

A versão foi aceita pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). “Os números levam a crer que de fato houve um problema no software que calcula a jornada de trabalho da tripulação”, afirmou a diretora-presidente da Anac, Solange Paiva Vieira. Segundo ela, o sistema teria computado horas a mais do que as de fato trabalhadas, acusando o limite de 85 horas de voo semanais e impedindo as equipes de seguir voando.

A ouvidoria da Anac analisa desde o dia 15 de julho uma reclamação do Sindicato Nacional dos Aeronautas (SNA) com 520 denúncias trabalhistas, a maioria por descumprimento de escalas de voo. A Anac afirma ter emitido, desde o início do ano passado, 235 autos de infração contra companhias aéreas regulares relativas ao excesso de jornada de trabalho.

“A Gol também foi alvo das inspeções da agência e não havia até então nenhum caso confirmado na empresa”, afirmou Solange Vieira durante entrevista coletiva na quarta-feira. Para o diretor de segurança de voo do SNA, comandante Carlos Camacho, faltou disposição para investigar as denúncias. Ele afirma que foram 200 reclamações de aeronautas apenas no mês de julho, das quais 90% relativas à Gol. Os funcionários da empresa marcaram uma assembleia para o dia 13.

Ainda na semana passada, o Ministério Público Federal (MPF) questionou a Gol, a Anac e a Infraero (a estatal que gerencia os aeroportos) sobre as medidas emergenciais que foram adotadas para minimizar o impacto dos atrasos. Da Anac, o MPF quis saber ainda o que poderia ser feito para corrigir as falhas de forma definitiva, “indicando qual seu planejamento estratégico sobre o assunto”.

A Anac se antecipou ao prazo de dez dias dado pelo órgão e anunciou as três medidas com as quais pretende colocar a Gol nos eixos: exigiu da empresa que incorpore a sua frota cinco aeronaves Boeing 767 “para aumentar a capacidade de acomodação em voos da companhia”; impediu a venda de novos fretamentos até que a situação se normalize; e informou que a multa pelos atrasos da semana passada poderá chegar a R$ 2 milhões. O valor é o mais alto já cobrado de uma empresa aérea no Brasil. Para o ministro da Defesa, Nelson Jobim, a multa “vai resolver o problema”.

É pouco provável que a Gol pague a conta. Nos últimos três meses, a agência deixou de cobrar quase R$ 1 milhão das empresas aéreas por atrasos entre 2006 e 2008. Ainda que tenha aumentado o valor das multas que distribui (leia o quadro), a Anac só recebeu 17% dos valores cobrados.
Reprodução

Tanto no discurso quanto na prática, as autoridades do setor aéreo parecem estar nas nuvens. Na manhã de quinta-feira, Solange foi pessoalmente vistoriar as operações da Gol no Aeroporto Tom Jobim, no Rio de Janeiro, e saiu satisfeita. “Não temos nenhum problema nos aeroportos. Todas as companhias estão com praticamente 0% de atraso. Não há nenhum indicativo de que isso possa voltar a ocorrer”, afirmou.

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Na atual gestão, a Anac de fato atacou problemas graves. Houve um esforço para aumentar a competição entre as empresas, antes restritas a um quase duopólio de TAM e Gol. As tarifas nacionais caíram e a demanda continua crescendo (o aumento de passageiros foi da ordem de 35% no último ano). Ainda assim, a Anac está longe de ser uma agência eficiente. Em junho, o presidente Lula indicou três nomes para ocupar cargos na direção da Anac.

No início de agosto, o Senado aprovou a indicação de Jorge Luiz Macedo Bastos para o cargo de diretor da Agência Nacional de Transporte Terrestre. Ex-dirigente de um time de basquete, ele admitiu que sua experiência em transporte se limitava à de “passageiro”. Se as pessoas que deveriam fiscalizar e punir as empresas aéreas reconhecem não ser especialistas no assunto, corre-se o risco de que fiquem sabendo dos problemas só depois que eles ocorrerem. A poucos meses dos feriados de fim de ano, quando aumenta o movimento dos aeroportos, é uma perspectiva preocupante.

Fonte: REVISTA ÉPOCA, via NOTIMP




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