Proposta limita os abusos para remarcar passagens de avião
Substitutivo que aguarda votação na Câmara dos Deputados altera o Código Brasileiro de Aeronáutica e estabelece restrições às penalidades impostas aos passageiros que desistências de voos.
Mudanças são tímidas, mas representam uma vitória
Naiobe Quelem
A proposta (1) que modifica o novo Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA) — e aguarda para ser votada em plenário na Câmara do Deputados — deixa mais claras as penalidades que podem ser aplicadas aos passageiros em casos de desistência do voo. Se a alteração for aprovada, o consumidor terá direito ao reembolso e a multa máxima imposta será de até 5% do valor pago pela passagem, caso o cancelamento seja pedido com antecedência mínima de sete dias da data do embarque, e de até 10%, se a comunicação ocorrer em prazo inferior a sete dias. A regra será válida até mesmo para as tarifas promocionais.
As mudanças — consideradas ainda tímidas por especialistas em direito do consumidor — podem soar como vitória se levado em consideração que, atualmente, as companhias aéreas têm liberdade para impor multa e diferentes taxas com a anuência da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), desde que estejam previstas em contrato (leia quadro). O resultado, em muitos casos, são penalidades que extrapolam o preço pela prestação do serviço e retiram do cliente o direito de receber de volta qualquer centavo pela quantia paga e não utilizada.
Em resposta ao Correio, a Gol e a Tam — as duas maiores detentoras do mercado nacional, com domínio de 83% dos voos no país — confirmaram que não há período mínimo, previsto em contrato, para que o passageiro tenha o direito de remarcar a passagem sem cobrança de taxas. As empresas explicaram ainda que os valores das multas não são proporcionais às quantias pagas. As regras para penalidades previstas em contrato variam de acordo com o perfil da tarifa. Geralmente, quanto mais barata, menos direitos, pois o bilhetes promocionais têm regras específicas de acordo com o regulamento. O que significa dizer que há restrições graves aos direitos dos consumidores. A Anac, inclusive, permite a comercialização de tarifas promocionais não reembolsáveis, desde que previsto em contrato.
Na última quinta-feira, o carioca Elias José de Faria, 27 anos, esteve no Aeroporto Internacional de Brasília para tentar remarcar o retorno para o Rio de Janeiro, mas deixou o guichê de atendimento da Webjet sem saber o que fazer diante da falta de alternativa. “A passagem custou R$ 75, mas para remarcá-la será preciso pagar uma taxa de R$ 110. Recebi a informação de que, mesmo que aceitasse tal penalidade, não poderia porque era superior ao valor do bilhete adquirido. A sugestão que recebi no balcão da empresa foi comprar uma nova passagem, que custa pouco mais de R$ 150. E vou jogar os R$ 75 no lixo?”, questiona Elias. A Webjet não respondeu ao Correio.
Ele considera a prática ainda mais abusiva, já que a necessidade de adiar o retorno foi criada pela própria companhia. “Na vinda para Brasília, no último dia 31, o voo atrasou em quase uma hora. Em razão disso, perdi um compromisso, que só consegui reagendar para a próxima segunda-feira à noite (hoje). Como a volta estava prevista para sábado (7 de agosto), preciso remarcá-la para terça-feira (amanhã)”, contou.
A bancária Rosângela Rezende de Oliveira, 37 anos, também não considera as cobranças por remarcação e procedimentos adotados para o reembolso justas, sobretudo quando a comunicação é feita com bastante antecedência. Em janeiro do ano passado, ela comprou passagens de ida e volta para viajar no Carnaval. No entanto, conseguiu uma carona na ida e cancelou esse trecho com antecedência de aproximadamente um mês. “Não devolveram o dinheiro e me deram um prazo de um ano para fazer uso do bilhete. No entanto, ao remarcá-lo, tive que desembolsar mais R$ 100. Quando você avisa à empresa com antecedência, não deveria sofrer qualquer penalidade porque há tempo para a companhia vender esse assento para outra pessoa. Então, ela está ganhando duas vezes”, avalia Rosângela.
O caso se complica quando o consumidor perde o voo. Nesse caso, além da taxa de remarcação ou de de reembolso, há também a multa por no show — estipulada pela empresa aérea quando o passageiro adquire um bilhete e não comparece para o embarque na data e horário acordados no contrato. Somadas, essas multas ultrapassam os valores já pagos pela prestação do serviço e deixam o passageiro no prejuízo. É o caso do servidor público Jorge Antônio dos Santos, 49 anos. Em abril, ele, a esposa e a filha chegaram atrasados ao aeroporto e foram impedidos de embarcar com destino a Brasília. Ao tentar remarcar as passagens, ele descobriu que teria que pagar taxa de reemissão, de R$ 90, e multa por não comparecimento (no show), de R$ 80 por pessoa, que superavam os valores dos bilhetes, que custaram R$ 159 cada. “Sem alternativa, adquirimos as passagens de outra empresa para o dia seguinte. Ao chegar a Brasília, tentei o reembolso e, mais uma vez, fiquei espantado. Somados, os valores do pedido de reembolso (R$ 95,40) e do no show (R$ 80) também eram maiores que o preço da passagem. Ou seja, pelos cálculos da companhia aérea, eu não tenho nada a receber. É inaceitável que uma multa seja mais onerosa que a prestação do serviço”, desabafa.
1 - Novo CBA
O substitutivo ao Projeto de Lei nº 6.716/09, que propõe mudanças no CBA, é uma ação resultante da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do caos aéreo. O texto, aprovado em 23 de junho pela comissão especial encarregada de discutir o assunto, é do relator e deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR). Agora, a proposta aguarda para ser votada em plenário. Caso seja aprovada, deverá retornar ao Senado.
Práticas contrariam CDC
Embora a Anac alegue liberdade tarifária e falta de competência para regular os valores cobrados, o diretor secretário geral do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon), Walter Moura, defende que a Agência deve atuar para corrigir os desequilíbrios. “Ela não é obrigada a intervir sempre no mercado. Mas, se há uma distorção, ela terá que interferir especialmente por causa do CDC. Caso contrário, quem comanda são as empresas dominantes”, argumenta.
As cobranças de taxas e multas são justificadas pelas empresas para cobertura de custos administrativos e eventuais prejuízos com a não comercialização de assentos reservados e não utilizados. No entanto, ocorrências como no shows, remarcações e cancelamentos não necessariamente podem representar perdas. “Em voos em que há lista de espera, o assento vendido ao consumidor que não compareceu ou precisou remarcar o bilhete será revendido para outra pessoa a um preço muito maior, já que na última hora se perdem todos os descontos”, pondera Walter. A mesma análise vale para as remarcações, inclusive as posteriores ao voo, e cancelamento com pedido de estorno. “Se o voo lota, a empresa deveria ser proibida de cobrar multa, pois dessa forma estaria ganhando duas vezes”, ressalta.
Já nos casos das remarcações com antecipação da data da viagem, Walter assegura que a multa é abusiva em qualquer circunstância. “Só posso antecipar meu voo se há vaga disponível. E meu assento anterior será vendido. Então, por que me penalizam? Essas multas são uma grande fonte de renda. É preciso saber qual o faturamento dessas companhias com as multas para então dizer se estão enchendo os bolsos ou cobrindo prejuízos”, desafia Walter.
O passageiro deve saber que:
Independentemente dos atos normativos em vigor, nenhum deles pode contrariar uma lei, como por exemplo a de nº 8.078/1990, ou seja, o Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Portanto, o CDC se aplica a qualquer relação entre passageiro e empresa aérea sem discussão, inclusive para afastar cláusulas contratuais abusivas.
Não se justifica a imposição de multa ou taxa ao consumidor que cancelar viagem por motivo de doença ou para destinos afetados por desastres naturais ou por epidemias, por exemplo.
As penalidades impostas contratualmente devem ser proporcionais ao que foi pago e nunca pode superar o valor cobrado pela prestação do serviço, mesmo em tarifas promocionais. Isso configura uma abusividade e onerosidade excessiva ao consumidor, além de enriquecimento ilícito.
O contrato deve ser equililibrado, com penalidades para ambas as partes em caso de descumprimento do acordo. Portanto, as mesmas penalidades deveriam ser aplicadas contra a empresa aérea caso ela cancelasse o voo ou atrasasse.
Procure o Procon. Ele poderá ajudar a mediar a solução do problema de forma administrativa em casos de abusividade.
O Procon não pode obrigar a empresa a devolver o dinheiro. Portanto, caso o problema persista o caminho deverá ser a Justiça.
Para tanto, é necessário ter o máximo de documentos possíveis, como recibos com valores discriminados e indicação do pagamento das taxas e multas, além de cópia ou original do bilhete de passagem.
Fonte: CORREIO BRAZILIENSE, via NOTIMP
Foto: Andomenda