O caos não é só aéreo
Candidatos precisam ser questionados sobre o nível dos serviços
Foi preciso que o caos voltasse aos aeroportos brasileiros, desta vez provocado por trapalhadas no sistema de escalas e trabalho do pessoal da Gol, uma das duas companhias que praticamente monopolizam o transporte aéreo de passageiros, para que a sociedade percebesse que há um tema que não pode ficar de fora dos debates da campanha presidencial. É que está ficando cada vez mais caro para a população o preço a pagar pela opção do atual governo de esvaziar as agências reguladoras da prestação dos serviços públicos por concessão à iniciativa privada. Por acaso, são setores absolutamente indispensáveis à vida moderna e ao desenvolvimento dos negócios de milhares de empresas. Nessa lista, estão utilidades como o telefone, os transportes terrestres e aéreos, os planos privados de saúde, a produção e o fornecimento de combustíveis automotivos e o fornecimento de água e de energia elétrica, para ficar apenas nos mais evidentes.
Mesmo depois do vexame aéreo de 2007, que transformou em dormitório as insuficientes estações de passageiros dos aeroportos de todo o país, a má vontade do governo com a Agência Nacional da Aviação Civil (ANAC) continua. É verdade que foram afastados os diretores que tinham sido indicados por apadrinhamento político, e que a agência ganhou comando profissional. Foi isso que garantiu alguma racionalidade ao funcionamento da ANAC que, aliás, conseguiu resultados. Mas o órgão se ressentiu do atraso na recente recomposição da diretoria e da contratação de pessoal para compor seu precário quadro administrativo e de fiscalização. Só agora, depois do barulho dos últimos dias, é que o governo autorizou a convocação de 81 dos 365 aprovados em concurso realizado há meses. A ANAC, assim como as demais agências, estão entre as vítimas preferenciais do contingenciamento de verbas do Orçamento da União.
A verdade é que a precariedade da ANAC não é fato isolado nem seria justo jogar apenas sobre sua atual diretoria a culpa pelo quadro preocupante revelado pelo inesperado cancelamento de voos da Gol. Atualmente, fazem parte da vida do brasileiro queixas e desesperanças com siglas como Anatel (telecomunicações), Aneel (eletricidade), ANS (planos de saúde), ANP (combustíveis), Antt (rodovias e ferrovias) e Anvisa (vigilância sanitária). Mas, em vez de dar sequência ao propósito de desmoralizá-las a ponto de levar a opinião pública a aplaudir seu eventual fechamento, parece mais responsável e produtivo retomar os propósitos que orientaram a criação das agências reguladoras. Concebidas para atuar em favor do usuário, as agências devem se posicionar entre o poder concedente (governo) e as concessionárias (empresas). Para isso, é imprescindível que sejam tecnicamente equipadas e politicamente independentes. Trata-se de estágio ainda não alcançado pelas agências reguladoras brasileiras e do qual deveria ter o direito de se beneficiar o personagem até agora menos lembrado, o consumidor.
Fonte: ESTADO DE MINAS, via NOTIMP