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O risco atômico de Lula








Mahmoud Ahmadinejad, líder do Irã, é a bomba que o mundo precisa desarmar. O que o Brasil tem a perder com a visita do presidente Lula a Teerã Leandro Loyola, de Teerã

Ben Baker

EXPLOSIVO

O presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad. Ele vai receber Lula, um dos últimos líderes com quem mantém boas relações

As mulheres que embarcam no aeroporto de Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, estão com os cabelos soltos. Maquiadas, vestem calças jeans e carregam caras bolsas francesas. Duas horas depois, quando o piloto anuncia que o avião está prestes a pousar em Teerã, a capital do Irã, as mulheres cobrem as cabeças com grandes lenços. Algumas vestem também uma jaqueta, que as cobre até os joelhos. As iranianas fazem isso para respeitar a lei imposta pelos religiosos muçulmanos que tomaram o poder na revolução islâmica de 1979. Nos últimos anos, desde que o ultraconservador Mahmoud Ahmadinejad assumiu a Presidência, a situação das mulheres tornou-se ainda mais difícil. Ele restringiu a pouca liberdade feminina adquirida no tempo de seu antecessor, o reformista Mohammad Khatami. Apesar das restrições impostas, as iranianas estudam em universidades, trabalham e participam de protestos.

O contraste da convivência entre a milenar cultura persa, a repressão religiosa oficial e a inevitável penetração de influências ocidentais contemporâneas torna o Irã mais complexo do que parece e ainda mais arriscado o passo que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva dará no sábado, ao chegar para uma visita inédita de dois dias a Teerã. Diante do ceticismo geral, Lula pretende convencer o até aqui irredutível Ahmadinejad a aceitar uma proposta para colocar fim à crise entre Irã, Estados Unidos e as principais potências ocidentais. A visita acontece num momento delicado. No próximo mês, a Organização das Nações Unidas (ONU) poderá impor sanções ao Irã, por desrespeito ao Tratado de Não Proliferação de Armas Atômicas. Os Estados Unidos pressionam para que o Conselho de Segurança da ONU adote as sanções diante das evidências de que o Irã estaria construindo instalações para enriquecer urânio com o objetivo de produzir armas nucleares. O Brasil não tem autoridade no Conselho de Segurança e tenta se colocar como intermediário entre os dois lados.

Visto como uma potência em ascensão no mundo, o Brasil busca projetar poder político para fora de suas fronteiras e o presidente Lula, ao final de seus dois mandatos, quer se firmar como uma liderança internacional. Antes, ele já tentara se colocar como mediador no histórico conflito entre palestinos e israelenses sem sucesso. Mas a aproximação com o Irã, um país em quase todos os aspectos distante dos brasileiros, isolado diplomaticamente e governado por uma teocracia (um regime em que as leis estão sujeitas a preceitos do islamismo radical), pode ser qualificada como o mais ousado gesto de busca de protagonismo internacional tentado por Lula. Se o presidente Lula obtiver algum compromisso do presidente Ahmadinejad, será uma vitória, afirma o ex-ministro das Relações Exteriores Luiz Felipe Lampreia. Mas as chances são pequenas. O Irã não tem razões para mudar seu curso.

O Irã pretende enriquecer urânio a mais de 20%, nível necessário para saltos maiores, como a produção de ogivas atômicas (os iranianos afirmam que seu programa nuclear tem fins pacíficos). O Irã se recusa a receber os inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), que teriam condição técnica de avaliar se seu programa nuclear é mesmo pacífico ou se, como se suspeita, o país está desenvolvendo a tecnologia de produção da bomba atômica. Recentemente, o Irã revelou possuir instalações nucleares secretas. Apesar de todas as evidências em contrário, o presidente Lula acredita nos objetivos pacíficos do programa iraniano. Na visita, com o apoio da Turquia, ele tentará fazer com que Ahmadinejad aceite uma nova proposta da AIEA, pela qual um terceiro país receberia o urânio iraniano, enriqueceria o material e o devolveria. Seria uma forma de garantir que o Irã não teria uma fábrica capaz de produzir o material necessário para a bomba.

Americanos, europeus e até mesmo os russos antigos aliados do Irã não acreditam mais no diálogo com os iranianos. Quando assumiu a Presidência dos EUA, Barack Obama fez acenos ao país persa, mas as relações voltaram à situação anterior de animosidade. Na avaliação dos americanos, a questão não se limita ao enriquecimento de urânio. Ahmadinejad teria um projeto de tornar o Irã uma potência regional capaz de enfrentar militarmente Israel no Oriente Médio e exportar seu modelo de fundamentalismo religioso para outros países, trazendo mais instabilidade ao mundo.

Os Estados Unidos, os países europeus, o Japão e a Rússia entendem que a única saída que resta para tentar dissuadir Ahmadinejad são as sanções econômicas. O Brasil diz ainda acreditar na solução negociada e afirma que, com ela, seria possível evitar repetir o que aconteceu no Iraque. Em 2003, os EUA justificaram a invasão ao Iraque sob o argumento de que o país tinha armas de destruição em massa. Elas nunca foram achadas e, anos mais tarde, o governo americano admitiu que os indícios de sua existência eram falsos.

O Brasil tem outras razões particulares para defender o Irã. Ao lado de Estados Unidos e Rússia, é o único país do mundo que tem reservas de urânio e domina todo o ciclo de enriquecimento, embora não tenha capacidade industrial instalada para produzir urânio enriquecido em larga escala. Em 2004, passou por uma situação semelhante à do Irã apesar de bem menos crítica. O Brasil teve de enfrentar um conflito com a Agência Internacional de Energia Atômica em torno do acesso dos inspetores internacionais às instalações de enriquecimento de urânio em Resende, Rio de Janeiro. O impasse foi contornado. Hoje há inspeções internacionais em Resende.
O fracasso na gestão de Lula poderá nos trazer prejuízo. A posição do Brasil seria confundida com a do Irã

Durante sua visita ao Brasil, em março, a secretária de Estado americana, Hillary Clinton, afirmou que o Irã não era confiável, pois contava histórias diferentes para Brasil, China e Rússia. Os iranianos viram na atitude de Lula uma chance de quebrar seu isolamento internacional. Hoje, Brasil e Turquia fazem parte do clube dos poucos países com alguma projeção internacional que mantêm contatos com o Irã. Os outros amigos de Ahmadinejad são o ditador Kim Jong-il, da Coreia do Norte, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, e o ditador de Cuba, Raúl Castro. Como isca para a aproximação, os iranianos acenam ao Brasil com o acesso a seu mercado. Em 2003, a Petrobras assinou acordos para explorar petróleo em águas profundas no Golfo Pérsico. Por enquanto, o comércio entre os dois países é pequeno: o Brasil exporta US$ 1 bilhão por ano ao Irã e importa R$ 20 milhões. No mês passado, o ministro da Indústria e Comércio, Miguel Jorge, esteve em Teerã com uma delegação de empresários. Nesta semana, 50 empresários brasileiros terão um encontro com 200 empresários iranianos.

Apesar da oportunidade comercial, lidar com o Irã significa engajar-se num jogo arriscado com um parceiro que em nada se identifica com as aspirações da sociedade brasileira. Ahmadinejad é um extremista religioso que pertence à linha mais radical do ramo xiita do islamismo. Já declarou querer destruir o Estado de Israel e nega fatos históricos, como o extermínio de judeus pela Alemanha nazista durante a Segunda Guerra Mundial. A internet sofre restrições no país. A velocidade de dados é baixa, o que dificulta a exibição de vídeos. Sites são monitorados e alguns são inacessíveis. O Irã também é um país acusado de desrespeitar direitos humanos, promover censura e reprimir violentamente quem faz oposição ao regime. A reeleição de Ahmadinejad, em 2008, suscitou suspeitas de fraudes e a maior série de protestos desde a revolução de 1979, que implantou a teocracia no Irã. Centenas de manifestantes foram presos e, de acordo com a anistia Internacional, alguns foram condenados à morte e executados.

A instabilidade política torna o Irã também um país cujo futuro é difícil prognosticar. Apesar dos protestos da oposição no Brasil e de um requerimento aprovado na semana passada pela Câmara dos Deputados, Lula não pretende se encontrar com membros da oposição iraniana o maior deles é Mir Hussein Moussavi, ex-primeiro-ministro e candidato derrotado por Ahmadinejad na eleição do ano passado. Em Teerã, Lula vai se encontrar com Ahmadinejad e com o líder supremo do país, o aiatolá Ali Khamenei. O encontro com Khamenei é considerado uma grande deferência. No Irã, seu poder está acima do poder de Ahmadinejad: Khamenei tem direito de arbitrar conflitos e de determinar quem pode ser condenado à morte. Normalmente recluso e inacessível, Khamenei só recebe líderes politicamente próximos do Irã, como o chefe do grupo palestino Hamas, Khaled Meshal, e o presidente da Venezuela, Hugo Chávez. É ele, na realidade, quem tem poder para tomar alguma decisão sobre a tentativa da diplomacia lulista de mediar o conflito com o Ocidente. Se suas decisões do passado e seu jogo duplo a respeito das inspeções atômicas têm algum valor, o resultado promete ser negativo.
Ben Curtis/AP e Fernando Bizerra JR/EPA/Corbis


DEMOCRACIA?

Protesto em Teerã (à dir.) reúne milhares de oposicionistas a Ahmadinejad, que denunciavam fraudes na eleição presidencial de junho de 2009. Em novembro, Lula ignorou as denúncias e recebeu o presidente do Irã no Brasil (à esq.). Agora, ele acredita que convencerá o iraniano a ceder algo que ninguém conseguiu ainda

Ainda assim, antes da chegada a Teerã, enquanto as autoridades americanas e o presidente da Rússia, Dmitri Medvedev, diziam que a intermediação brasileira seria a última tentativa de negociação antes da imposição de sanções, Lula exalava otimismo. Em Moscou, escala de sua visita, questionado sobre as chances, numa escala de zero a 10, de acordo com o Irã, Lula disse: Eu daria 9,9. Vou usar tudo o que aprendi na minha vida política para convencer meu amigo Ahmadinejad a chegar a um acordo, disse Lula.

Se as gestões de Lula produzirem alguma mudança na posição do Irã, ele poderá proclamar que adotou a estratégia certa. Mas o fracasso cenário mais provável certamente nos trará prejuízos. Em caso de fiasco nas negociações, o risco é que a posição do Brasil se confunda com a do Irã. Nesse caso, os Estados Unidos, que ainda são a maior potência global, podem criar todo tipo de empecilho às pretensões de nossa diplomacia emergente de exercer um novo protagonismo na cena global. A decisão de Lula de entrar no jogo EUA-Europa versus Irã transformou o entusiasmo do governo Barack Obama pelo Brasil e Lula em perplexidade, escreveu em artigo recente o analista Steve Clemons, diretor da New America Foundation. A realidade é que os EUA ainda são um parceiro global vital que pode fortalecer ou restringir as aspirações das novas potências. Se o desfecho for o previsível, diz Clemons, terá sido uma aposta muito alta, que terá um grande custo.

Amigo ou perigo?

Por que o Irã é um parceiro complicado

Armas nucleares
Os EUA ameaçam impor sanções caso o Irã não desista de seu programa nuclear. O Irã tenta enriquecer urânio, processo que permitiria fabricar armas

Repressão
O governo iraniano reprimiu com violência protestos contra a reeleição de Ahmadinejad. Centenas de opositores foram presos, e manifestantes mortos

Antissemitismo
Em um pronunciamento, o presidente Ahmadinejad afirmou que não reconhece a legitimidade do Estado de Israel e colocou em dúvida o Holocausto

Fonte: REVISTA ÉPOCA, via NOTIMP



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