Brasil usa Irã para reforçar soberania na área nuclear
Raymundo Costa, de Moscou
Em período de campanha eleitoral, a viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Irã transformou-se num risco em dobro: a oposição, especialmente o PSDB, condena a aproximação entre os dois países, que considera fruto da partidarização do Itamaraty, enquanto aliados tradicionais, como os Estados Unidos, passaram a olhar com desconfiança a movimentação de Brasília. E a imprensa alemã insiste em apontar o Brasil como um país que voltou a "flertar" com um projeto de bomba atômica desenvolvido no regime Militar e abandonado no início dos anos 1990.
Lula perde eleitoral e politicamente se fracassar na negociação sobre a qual o chanceler Celso Amorim se diz "moderadamente otimista". Mas é improvável que a ampliação das sanções econômicas ao Irã, exigida pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), atinja de forma direta os interesses das empresas brasileiras que atuam no país. Os prejuízos poderiam vir na forma de retaliação cruzada. Lula fica no Irã os dias 16 e 17.
As razões do governo brasileiro, ao se envolver na questão iraniana, vão além da partidarização da política externa, como diz a oposição. O Brasil quer demarcar território, advertir que o governo é soberano sobre seu próprio programa nuclear, no qual a construção de um reator para o submarino atômico é apenas um começo - mas também não é possível avançar que o governo petista retomou o "flerte" com a bomba, apesar de declarações de funcionários graduados nesse sentido, nos últimos anos.
Uma declaração do presidente tem sido repetida pelas autoridades iranianas: o que Lula quer para o Irã é o mesmo o que ele quer para o Brasil. A exemplo do Irã, o Brasil mantém um programa nuclear declaradamente de fins pacíficos - a diferença é que o programa brasileiro parece bem mais adiantado que o iraniano. Outra, é a relação dos dois países com os organismos de inspeção internacionais - a AIEA não julga suficiente as garantias do Irã de que não vai produzir a bomba. Já a relação com os brasileiro tem sido mais tranquila, embora tenham passado por um abalo com as restrições impostas à visita de seus técnicos da AIEA numa inspeção na unidade de Resende.
A AIEA se queixa de que eles não tiveram acesso a todas as instalações, o que no código dos técnicos é um sinal vermelho, uma tentativa de esconder informações sobre a tecnologia empregada no processo de enriquecimento de urânio. As autoridades brasileiras asseguram que permitem o acesso previsto nos acordos, o suficiente para que a agência saiba que os fins do programa nuclear são de fato pacíficos.
Se o acesso fosse total, os técnicos da AIEA colheriam informações sobre um salto tecnológico que o Brasil afirma ter dado para enriquecer urânio mais rapidamente. Uma espécie de segredo empresarial que o Brasil precisa resguardar, pois é candidato em potencial ao bilionário mercado nuclear - da venda de combustível à produção de radioisótopos. O Brasil é o sexto maior produtor de urânio natural do mundo.
Há outras áreas de apreensão, como a abertura da discussão da revisão do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares. No governo Fernando Henrique Cardoso os Militares engoliram quando o presidente decidiu aderir ao acordo. Agora também se opõem à assinatura de um protocolo adicional, o que obrigaria o Brasil a abrir inteiramente o seu programa aos inspetores.
O Brasil terá problemas também com a retomada do projeto Angra. Para funcionar, as usinas 3 e 4 precisarão de combustível nuclear, que pelo acordo assinado nos anos 70, seria fornecido pela Alemanha. Desde então os verdes se fortaleceram na Alemanha e o país está desativando suas usinas nucleares. A França detém a tecnologia e gostaria de fornecer o combustível.
Ao chegar ontem a Moscou o presidente Lula evitou dar declarações aos jornalistas. Mas o chanceler Celso Amorim disse que está "moderadamente otimista" em relação a um acordo para a retomada do diálogo entre o Irã e a AIEA. "Precisamos contornar as desconfianças, que são muito grandes". Segundo Amorim, um eventual acordo deve ser "considerado aceitável pelo Brasil e pela Turquia", país que também faz parte do esforço de mediação para impedir a ampliação das sanções econômicas contra o Irã.
Segundo o chanceler, o Irã não pode ser "privado" do direito de ter energia para fins pacíficos, o que é inclusive assegurado pelo Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares. Lula não quis se manifestar. "Privar o Irã de produzir energia para fins pacíficos não vai funcionar", disse Amorim
Se as sanções ao Irã forem ampliadas, como quer a agência de energia, as empresas exportadoras de alimentos não devem ser proibidas de continuar vendendo ao Irã. Os principais parceiros comerciais do Brasil no Irã são da área de alimentos. No que se refere ao setor energético, a Petrobras virtualmente paralisou suas atividades no país, depois de uma tentativa frustrada de encontrar óleo no bloco de Tusan. A Petrobras passou a operar no Irã em 2004.
Segundo apurou o Valor, Tusan frustrou totalmente as expectativas da Petrobras: era um campo seco. A estatal deixou no Irã apenas um pequeno escritório de representação, com dois funcionários, e não tem projetos de curto prazo para o país. No total, a empresa investiu US$ 34 milhões na exploração do campo, quantia insignificante se comparados com os desembolsos de 1999 empresas que atuam no setor de petróleo e gás do Irã, de acordo com um levantamento do Congresso americano. Muitos deles na faixa do bilhão de dólares.
A ampliação das sanções deve ser seletiva, imposição de potências como a Rússia para aderir ao movimento dos Estados Unidos. Nem o Iraque sofreu sanções na área relativa aos alimentos.
O comércio entre o Brasil e o Irã revela um "salto qualitativo" nas exportações brasileiras, a partir de 2005. Segundo o perfil sócio-econômico preparado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), apesar das oscilações, entre 2006 e 2009, as exportações brasileiras superaram a marca simbólica do bilhão de dólares (US$ 1,2 bilhão). "No que se refere às importações, o Irã vende pouco: US$ 19 bilhões em 2009, ainda assim 28% mais que em 2008", diz o relatório da CNI.
Entre as empresas brasileiras em Teerã, a Bunge Alimentos é a única com investimentos locais acima dos US$ 50 milhões. Com desembolsos entre US$ 10 milhões e US$ 50 milhões estão a Scania Latin América, Vale, Mafrig Frigorífico, Bertin, JBS, Bianchi Indústria Comércio e Agricultura, Frigorífico Mataboi, Minerva e a Granol Indústria e Comércio e Exportação.
Fonte: VALOR ECONÔMICO, via NOTIMP