Brasil pode usar compra de caças para pedir menos subsídio agrícola francês
Governo deve adiar decisão sobre o processo FX-2 até o dia 17, para esperar o resultado da Cúpula Mercosul-União Europeia
Raquel Landim de São Paulo e Jamil Chade de Genebra
A forte resistência da França contra um acordo de livre comércio Mercosul - União Europeia provocou muita insatisfação no Brasil. Setores do governo querem forçar os franceses a "barganhar" uma maior abertura do mercado agrícola europeu pela bilionária compra dos caças da Força Aérea Brasileira (FAB).
A ideia é adiar o anúncio do vencedor do contrato da FAB pelo menos até o dia 17 de maio, quando ocorre a cúpula Mercosul - UE em Madri. O Ministério da Defesa já anunciou que a decisão sobre os caças será tomada até o fim do mês. O objetivo é colocar pressão sobre a França na cúpula, quando deve ser anunciado o relançamento das negociações entre os dois blocos.
As cifras envolvidas em uma eventual barganha são expressivas. Se o caça francês Rafale sair vencedor, a compra pode significar um contrato de US$ 6,2 bilhões para a francesa Dassault. Em contrapartida, a UE concedeu 55 bilhões em subsídios para seus agricultores em 2009 - e a França foi quem mais recebeu.
"Nós temos um acordo estratégico como a França. Todas as decisões passam por esse acordo que tem que valer para os dois lados. Se os caças são importantes para eles, a agricultura é importante para nós", disse uma alta fonte do governo brasileiro.
Os franceses, no entanto, parecem irredutíveis quando o assunto é agricultura. "Nós sabemos que um acordo desse nível (caças) tem um impacto bem além do setor que representa", disse uma fonte do ministério das Relações Exteriores da França.
O Ministério da Defesa do Brasil nega que existe influência entre a negociação do acordo Mercosul - UE e a compra dos caças. "Não há qualquer lógica em eventuais especulações sobre supostas vinculações do programa F-X2 (caças) e negociações comerciais nas quais o Brasil esteja envolvido. São assuntos absolutamente distintos", informou o ministério em nota.
Subindo o tom. O governo francês decidiu elevar o tom das críticas contra o acordo, depois que a Comissão Europeia decidiu que o que estava na mesa era suficiente para relançar as negociações. O ministro da Agricultura da França, Bruno Le Maire, e a secretária de Comércio, Anne Marie Idrac, enviaram ontem uma carta para Bruxelas deixando claro que vão tentar frear o acordo.
"A UE não pode retomar as negociações com o Mercosul, sob o risco de danificar a agricultura europeia", diz a carta. Para ambos, a Rodada Doha, da Organização Mundial de Comércio (OMC) precisaria ser concluída antes e alertam que a UE "já passou de seus limites" em suas ofertas de liberalização.
Na segunda-feira, o Estado apurou que o ministro de Relações Exteriores da França, Bernard Kouchner, vai introduzir o tema do acordo com o Mercosul na agenda da reunião dos 27 ministros da UE com a chefe da diplomacia do bloco, a inglesa Catherine Ashton.
Os outros assuntos da reunião são políticos como pirataria do Golfo de Aden, armas nucleares e a situação no Irã. Não é comum um tema comercial entrar na pauta estratégica da UE. Diplomatas franceses confirmaram que a insistência em tratar do assunto mostra que a oposição do governo Sarkozy em relação ao projeto é estratégica.
Na Comissão Europeia, a ordem é ir adiante com o relançamento de negociações com o Mercosul. "Nesse momento, a UE tem o mandato para negociar", insistiu a assessoria de imprensa da UE, em Bruxelas. Diplomatas, porém, dizem que relançar à negociação sem o apoio da segunda maior economia da UE poderia ser um estratégia suicida para o próprio processo.
Um documento interno da UE mostra que um acordo poderia representar perdas de 3,5 bilhões a 13 bilhões para a agricultura europeia, dependendo do grau de liberalização.
Sobrevida. No Brasil, o repúdio da França ao acordo com o Mercosul pode dar uma sobrevida aos defensores do caça sueco Gripen. Representantes da Aeronáutica e da Embraer acreditam que a transferência de tecnologia seria maior com os suecos. No ministério da Defesa, a preferência é pelos caças franceses, segundo fontes do governo.
O Itamaraty defende a parceria estratégica com a França, mas o acordo comercial com a UE se tornou prioridade. Para a diplomacia, é fundamental porque as negociações da OMC estão paralisadas. A avaliação do Itamaraty é que a crise aumentou a pressão de países exportadores como Alemanha e Reino Unido para vender mais para o Mercosul.
Para lembrar
O projeto FX-2, para renovação da frota da Força Aérea Brasileira com a compra de 36 caças, foi autorizado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em novembro de 2007. Mas até agora o processo não foi concluído. Estão na disputa três empresas: a francesa Dassault, com o caça Rafale, a americana Boeing, com o F-18, e a sueca Saab, com o Gripen NG.
Fonte: O ESTADO DE SÃO PAULO, via NOTIMP