Aeroportos: Infraestrutura Saturada
As opções para o movimento da Copa, da Olimpíada e da economia aquecida; Infraestrutura saturada exige obras e novo modelo para acompanhar o crescimento do país
Alisson Ávila
O setor aéreo brasileiro vive o melhor e o pior dos mundos. Em 2009, a demanda por viagens cresceu 17,6% no mercado doméstico e 14,4% nos voas internacionais, segundo a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), que projeta números muito parecidos para 2010. A crescente procura por passagens aéreas, nunca vista antes, tem perspectivas de se multiplicar com a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016. Os números só não são mais animadores pelo desafio que representam para os planos de melhoria das condições dos superlotados aeroportos brasileiros. "A necessidade ele ampliação da infraestrutura aeroportuária brasileira não depende da Copa ou das Olimpíadas, que são eventos pontua is", diz a presidente da ANAC, Solange Vieira. "O crescimento elo mercado brasileiro é o principal motivador dessa expansão."
Pontuais ou não, os megaeventos esportivos dependem para o seu .sucesso dê aeroportos rapazes ele atender o público com um mínimo de conforto. Solange calcula que somente a Copa do Mundo eleve movimentar 2,8 milhões de embarques e desembarques, "um volume pequeno ante o movimento anual de 128 milhões registrados hoje no Brasil". Apenas na primeira semana da Copa serão cerca de 330 mil desembarques internacionais, em comparação com a atual média semanal de 150 mil pessoas. Já na Olimpíada de 2016, as projeções dedicadas apenas aos turistas de fora do país apontam para 380 mil pessoas. Para atender a movimentação de passageiros, a Infraero, empresa estatal vinculada ao Ministério da Defesa e responsável pela administração de 97% do tráfego aéreo, diz que pretende ampliar em 66,46% a capacidade de 11 aeroportos que atenderão as cidades-sede. Os aeroportos Santos Dumont (RJ), Pampulha (MG) e de Recife e Salvador permanecerão com as capacidades atuais.
O plano inicial de investimentos anunciado pela empresa, num total de R$ 4,6 bilhões, foi reforçado em mais R$ 3 bilhões por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) 2, Os números definitivos, porém, ainda serão anunciados, segundo informações da Infracro. A empresa informa que já vem realizando obras de melhorias nos aeroportos antes mesmo da escolha do Brasil para sede dos Jogos da Copa e da Olimpíada. Para os próximos dois anos a Infraero promete construir módulos operacionais em 12 aeroportos. São instalações temporárias e desmontáveis que servem para ampliar a capacidade de embarque e desembarque até que as obras definitivas estejam prontas. O modelo já foi implantado em Florianópolis. Os próximos a receberem o equipamento são os aeroportos de Brasília, Goiânia e Vitória.
Para o Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro (Galeão-Tom Jobim), que deverá operar como "hub" na recepção dos voos internacionais nos dois eventos, a Infraero planeja investir R$ 64,5 milhões só lia reforma dos terminais de passageiros 1 e 2 e na finalização das obras do terminal 2. O terminal 1 passa por reformas que incluem a recuperação da fachada, a substituição de elevadores, escadas rolantes e sinalização vertical interna, entre outras.
Os gargalos nos aeroportos apontam para a necessidade de uma mudança estrutural no sistema aéreo brasileiro nos próximos anos. Tanto é assim que o assunto acalenta uma série de debates sobre questões essenciais. Colocados sobre a mesa para discussão estão temas como a possível concessão dos aeroportos à iniciativa privada; a abertura de capital da Infraero; a retirada do órgão das amarras da Lei de Licitações para agilizar processos; o aumento da participação estrangeira no capital social com direito a voto das companhias aéreas em até 49%; a retomada de adicionais tarifários para as empresas aéreas regionais; a instituição se uma nova autoridade aeroportuária para disciplinar a gestão dos aeroportos; e ainda a reorganização da gestão do Programa Federal de Auxílio a Aeroportos (Profaa).
Diferentes projetos relativos aos mesmos assunto tramitam isolados ou em comissões, no Senado e na Câmara dos Deputados. Porém, como 2010 é um ano eleitoral, o processo tornou-se ainda mais truncado. "Não podemos impedir o crescimento do turismo por nossa dificuldade estrutural", diz o ministro do Turismo, Luiz Barretto. A presidente da ANAC completa: “o certo é que seja com obras, seja com concessão, a infraestrutura aeroportuária precisa crescer. O prazo entre concessão e obras varia de dois a quatro anos, dependendo do tipo de obra necessário".
Os dirigentes das empresas do setor dividem opiniões sobre a interferência privada nos aeroportos. Constantino Oliveira Júnior, presidente ela Gol, coloca-se contra a eventual criação de um monopólio privado, que estimule o mercado e gere lucro aos acionistas mas traga prejuízos aos usuários sem o reinvestimento. Já Líbano Barroso, presidente da TAM, é mais pragmático: "O importante é que a infraestrutura funcione e as taxas sejam justas. Há exemplos bem-sucedidos no mundo tanto de aeroportos públicos quanto privados". Para Gustavo Paulus, controlador da Webjet, a participação da iniciativa privada é uma alternativa bem-vinda para qualquer setor. “Entretanto, o empresário opta pessoalmente por um caminho do meio, capaz de somar a eficiência privada com a compreensão dos altos e baixos da economia do poder público", diz.
Com tanto otimismo de longo prazo e uma demanda imediata em franca ascensão, o mercado questiona se será possível crescer e preparar o terreno para os grandes eventos ao mesmo tempo. O congestionamento atual já faz a ANAC disciplinar o teto de "slots" (número de pousas e decolagens) no horário de pico nos aeroportos de Cumbica e Congonhas, decisão que deve chegar a Brasília, Confins, Salvador, Fortaleza, Cuiabá e Viracopos até o fim do ano. O Sindicato Nacional das Empresas de Aviação (Snea), assim como a Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias ele Base (Abdib), repetidamente têm alertado para uma possível incongruência entre demanda, cronograma de obras e capacidade dos aeroportos.
Uma das principais bases para as críticas é o Boletim de Indicadores de Transporte Aéreo, desenvolvido pelo professor de engenharia de produção e transportes e presidente da Sociedade Brasileira de Pesquisa em Transporte Aéreo (SBTA) Elton Fernandes. Acadêmico do Instituto Alberto Luiz Coimbra, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ), ele estuda o universo aéreo desde 1979. Fundamentado no cronograma da Infraero que agora está em revisão, Fernandes acredita que a infraestrutura aeroportuária dos próximos anos poderá no máximo empatar com demanda reprimida e projetada. Há cenários em que, mesmo após reformas, as projeções do Coppe/UFRJ indicam falta de capacidade de atendimento: Confins (MG), Cuiabá (MT), Congonhas (SP), Viracopos (SP) e Salvador (BA).
Fernandes sustenta sua visão pessimista no fato de que de 70% a 75% das viagens realizadas dentro do Brasil são de negócios. “Se houver uma explosão de consumo de viagens turísticas, com uma inclusão apoiada por modelos de financiamento das passagens semelhantes aos dos automóveis, o resultado pode remeter ao que se vê no trânsito das grandes cidades", avalia. A iminente aprovação do aumento do capital estrangeiro nas companhias aéreas, segundo ele, deixaria o cenário ainda mais delicado.
"Em vez de apostar em mais estrutura ou na questão do desenvolvimento nacional, que são problemas de Estado, o que temos é a restrição da oferta. Isso resolve o congestionamento, mas não o transporte aéreo nacional", diz o acadêmico, ao criticar o teto de "slots" definido pela ANAC e também a recente afirmação, vinda da agência, de que o esperado aumento das passagens domésticas em 2010 (após a redução média de 27% nos preços em 2009) vai se encarregar de limitar a explosão do consumo. O aumento do índice de ocupação das aeronaves também é visto como um caminho para estabilizar o mercado. Solange Vieira afirma que esse não foi o objetivo do comentário. A variável preço, segundo a presidente da ANAC, "não pode servir como instrumento político ou de ajuste dos gargalos de infraestrutura".
Fonte: VALOR ECONÔMICO, via NOTIMP