Brasil se opõe aos EUA em ação antidroga
Governo brasileiro dirá que é preciso reconhecer soberania dos países sul-americanos e focar, também, nações consumidoras. Diretrizes, que deverão criar nova tensão entre os países, serão apresentadas amanhã no Rio durante conferência internacional antidrogas
Hudson Corrêa
O governo brasileiro lançará uma estratégia de combate ao narcotráfico na América do Sul contrária à linha dos EUA. As novas diretrizes são da Polícia Federal e do Ministério das Relações Exteriores e serão apresentadas na conferência internacional antidrogas que começa amanhã, no Rio.
O Brasil dirá que é preciso reconhecer a "soberania" dos países sul-americanos e adotar o conceito de corresponsabilidade dos países consumidores e produtores, sem ônus exclusivo para estes, como prega a atual cartilha de Washington. A PF e o Itamaraty não pretendem levar o confronto a público. O encontro com delegados de 124 países será fechado.
Mas já se avalia o impacto do recado, a ser dado no discurso de abertura, pelo diretor-geral da PF, Luiz Fernando Corrêa. Primeiro, porque o evento é co-organizado pela DEA, a agência antidrogas dos EUA. Segundo, porque os dois países vivem uma onda de embates.
O Brasil bate de frente com os EUA ao apoiar o programa nuclear iraniano, visto como beligerante pelos EUA e pela ONU, discordou da condução das negociações na crise hondurenha e está negociando meios para aliviar a retaliação a que tem direito por conta subsídios ilegais a produtores de algodão norte-americanos. A decisão brasileira de propor a nova abordagem vem no momento em que governos vizinhos discutem a presença de tropas dos EUA em seus territórios, instaladas sob o pretexto de combate ao narcotráfico.
A PF e o Itamaraty trabalhavam com a informação de que os EUA viriam para a conferência do Rio justamente para fazer a defesa da visão militarista. Alegariam até um fato novo: o fortalecimento da rota do tráfico na tríplice fronteira entre Venezuela, Suriname e Brasil.
A diretoria de Combate ao Crime Organizado da PF defenderá que todos os países -os consumidores, os que estão na rota do tráfico e os produtores de insumos e drogas- trabalhem em cooperação. A ideia é derrubar o estigma de que "quem está no hemisfério norte é a vítima", na definição do delegado Roberto Troncon.
O Brasil argumentará que, se a América do Sul ainda é o grande mercado produtor de cocaína, a Europa e o Canadá têm a liderança na fabricação de drogas sintéticas. Se os EUA podem assumir o papel de vítima de cocaína, portanto, os sul-americanos podem se dizer vítimas do ecstasy -o Brasil apreendeu 160,9 mil comprimidos da droga desde 2008.
Ainda que confronte a estratégia norte-americana de fixar bases na América do Sul (Colômbia, Equador, Paraguai), o governo não defenderá a exclusão da DEA das ações no continente. A PF sugerirá aos EUA troca de dados de investigações, treinamento conjunto de policiais e intensificação de operações nas fronteiras.
Fonte: FOLHA DE SÃO PAULO, via NOTIMP