Sucesso põe Embraer diante de decisões difíceis sobre o futuro
Tendo conquistado os segmentos de aviões de pequeno e médio porte do mercado da aviação comercial, a Embraer vai um dia ter que decidir se virá a fabricar modelos maiores - e começar a concorrer com a Boeing Co. e com a Airbus, as duas maiores fabricantes de aviões do mundo.
Nos últimos 15 anos, a Empresa Brasileira de Aeronáutica SA fez uma notável ascensão ao primeiro escalão da indústria aeronáutica. A Embraer, que já foi uma estatal inerte que fazia aviões para as Forças Armadas, é atualmente uma das quatro maiores fabricantes de aviões comerciais de passageiros do mundo. Ela fez sua marca dando velocidade e conforto de aviões maiores a aeronaves de pequeno e médio porte - um segmento que vinha até então sendo servido por voos apertados e aos solavancos.
A despeito de uma estagnação na demanda de aviões de passageiros em meio à contração mundial, que obrigou a empresa a demitir 20% de sua mão de obra no ano passado, a Embraer exibe um livro de encomendas de mais de 1.700 aviões, com um valor total a preço de tabela de mais de US$ 16 bilhões.
Mas enquanto a empresa trabalha rumo a uma recuperação gradual, os concorrentes estão de olho no seu próximo passo.
Quer ela se mantenha nos nichos atuais ou passe a disputar novos segmentos do mercado, "esta é uma empresa que demonstrou que sabe como fabricar aviões que interessam ao mercado", diz David Neeleman, o fundador da JetBlue Airways Corp. A JetBlue abriu no ano passado a Azul Linhas Aéreas Brasileiras SA (?), que tem uma frota de 15 aviões E-190 e E-195 da Embraer.
Os jatos modernos da empresa paulista representam hoje uma longa história.
Engenheiros que fugiram da Europa depois da Segunda Guerra Mundial, junto como militares brasileiros enviados para estudar nos Estados Unidos, criaram um instituto aeronáutico que durante décadas formou engenheiros para a indústria. Esses engenheiros criaram no fim dos anos 60 o Bandeirante para a Força Aérea Brasileira, e em 1969 o governo criou a Embraer para fabricá-lo.
A rota da Embraer rumo ao sucesso espelha de várias maneiras a própria trajetória turbulenta do Brasil, um país que lutou para superar décadas de má gestão e dificuldades fiscais antes de se posicionar para o crescimento.
Quando o governo privatizou a empresa em 1994, a Embraer era deficitária e carregava um endividamento de mais de US$ 200 milhões. No começo daquela década, a empresa havia colocado todos os seus esforços no CBA 123, um avião a hélice para 19 passageiros - mas os compradores reclamavam do preço alto e ela nunca vendeu um sequer.
"A empresa afundou", diz Frederico Fleury Curado, diretor-presidente da empresa, que entrou para a Embraer 26 anos atrás como um estagiário que cursava engenharia aeronáutica. "Foi uma péssima leitura do mercado."
O fracasso serviu de alerta. A equipe de vendas da Embraer virou presença constante no mercado, sondando a demanda de empresas aéreas de todo o mundo. Mas os tropeços da empresa nos anos 90 tornaram esse processo árduo. À medida que a Embraer oferecia novos produtos, precisava convencer os interessados de que era uma fabricante viável e confiável. Embora alguns compradores estivessem familiarizados com os turboélices da Embraer, poucos acreditavam que ela pudesse entrar no mercado de aviões a jato.
Ela tentou vender o ERJ-145, um jato de 50 assentos desenvolvido em meio à privatização, para várias empresas aéreas receosas. Aí, em 1995, o avião atraiu o interesse da subsidiária da Continental Airlines Inc. para voos regionais, que fez uma encomenda de US$ 375 milhões de 25 novos aviões.
Enquanto a maioria das encomendas das grandes companhias aéreas obriga essas empresas a comprar muitos aviões a serem entregues num período prolongado de tempo, essa compra deu à Continental uma ampla margem contratual para cancelar a encomenda, se chegasse à conclusão que não queria mais os aviões.
"Eles estavam com medo", recorda-se Curado. "Sabíamos que eles precisavam de uma porta de saída estratégica."
Mas o programa deu certo. A frota regional da Continental acabou recebendo 275 desses aviões, e o ERJ-145 veio a dominar boa parte do mercado de aviões para voos regionais, com mais de 880 fabricados para empresas aéreas nos EUA, Europa e outras regiões.
Com o crescimento desse programa, a Embraer viu potencial para aviões que preencheriam um nicho em crescimento, mas ainda pouco atendido: uma aeronave com entre 70 e 120 passageiros que oferecesse o conforto e a economia de um jato maior. Em 1999, uma equipe de 25 executivos da Embraer visitou 60 empresas aéreas em todo o mundo, propondo a ideia.
O retorno positivo levou ao desenvolvimento da família "E-Jets", de aviões que hoje são operados pela Azul, British Airways PLC, Air France-KLM SA, e outras grandes empresas aéreas. A Embraer vendeu mais de 600 aviões de quatro modelos E-Jets desde que foram lançados em 2004.
Paralelamente, a Embraer continua fabricando aviões militares, e opera uma divisão de jatinhos executivos que em menos de dez anos já responde por 20% de sua receita. No ano passado, a Embraer entregou 14% dos jatinhos executivos vendidos mundialmente.
No enorme hangar de entregas da Embraer em São José dos Campos, aviões fabricados pela empresa aguardam pilotos de companhias aéreas e clientes particulares da Espanha, China, Polônia, Reino Unido e do Oriente Médio. Flores e champanha enfeitam a mesa próxima do avião a ser batizado. Embora não seja mais somente uma empresa do segmento de aviação regional, a Embraer agora enfrenta uma série de novos obstáculos para revitalizar seu crescimento em face à crise econômica global. No ano passado, o lucro em dólar caiu 36%, para US$ 248,5 milhões. A receita caiu quase 14%, para US$ 5,47 bilhões, ante US$ 6,34 bilhões.
Além de encomendas canceladas por empresas aéreas em dificuldades nessa fase ruim da economia, o interesse pelos jatos regionais menores diminuiu nos últimos anos, à medida que a alta do combustível de aviação tornou sua operação mais cara. A forte demanda por aviões executivos - entre os quais a linha Phenom, uma nova série de jatinhos com interior projetado pela BMW AG - agora está morna.
Segundo a Embraer, a demanda por todos os seus produtos não deve voltar aos níveis anteriores à crise pelo menos até meados de 2011. E, à medida que se recupera, a Embraer vai enfrentar concorrência de novas empresas na categoria de 70 a 100 assentos, vinda de fabricantes da Rússia e do Japão. Ela também enfrenta uma pressão contínua para desafiar sua concorrente de longa data no segmento de médio porte, a Bombardier Inc. A empresa canadense está dando um passo grande ao introduzir a Série C de 150 assentos - e entrar em território tradicionalmente controlado pela Boeing e a Airbus, uma divisão da European Aeronautic Defence & Space Co.
Curado diz que, até agora, continua "relutante" em fabricar um avião desse segmento. Não é uma questão de tamanho - o KC-390, um avião de transporte militar que a Embraer está desenvolvendo para concorrer com o C-130 da Lockheed Martin Corp., muito usado por forças armadas pelo mundo afora, terá uma fuselagem tão grande quanto a de um Boeing 767. É uma questão de necessidade do mercado.
Embora não descarte um avião de passageiros maior, ele diz que a Embraer só vai fabricar um se a empresa puder oferecer uma aeronave tão revolucionária que ofereça um custo operacional pelo menos 20% mais barato que o das versões menores do Boeing 737 e do Airbus A320 atualmente em atividade.
"Não vemos uma lacuna tecnológica que justifique esse esforço por enquanto", explica. "É preciso um diferencial para realmente se poder argumentar a alguém que troque um produto sólido, testado - com milhares de aviões em atividade -, por algo totalmente novo."
Fonte: The Wall Street Journal, via NOTIMP