Uma conversa mais “americana”
Thomas Shannon procurou apresentar-se como pragmático. Disse perseguir uma “diplomacia de resultados”. Na teoria, faz sentido. Na prática, é preciso saber o que os EUA têm para entregar
Alon Feuerwerker
Nas Entrelinhas
O novo embaixador do Estados Unidos no Brasil, Thomas Shannon, assume o cargo num cenário desafiador. O Brasil cresce em importância estratégica para os interesses americanos na esfera regional, e mesmo global, mas a tendência recente é acumularem-se contenciosos. De Honduras ao Irã, da Rodada Doha ao papel do G20 na reforma do sistema financeiro, a regra nos últimos tempos é a dissonância.
Especialmente porque nas disputas recentes a balança tem pendido para eles, e não para nós. Isso embute um custo político, quando evidencia a assimetria entre o papel que o Brasil julga reservado para si e a falta dos meios para fazer valer nossas posições. Um capital interno muito explorado por Luiz Inácio Lula da Silva é a altivez diante das outras nações, inclusive das potências. Mas, se a altivez não traz resultados práticos, o efeito político aqui pode ser contrário ao desejado.
Com Lula, o Brasil entrou para valer no jogo, e quem está em campo deve estar preparado para qualquer placar. Não dá para colocar nos Estados Unidos a culpa pelos nossos tropeços. Até porque ou nos enxergamos como jogador pleno ou pedimos para voltar aos juniores, aos tempos em que lançávamos nos outros a responsabilidade pelas nossas derrotas. Não dá para querer ser, ao mesmo tempo, protagonista e coitadinho.
Em entrevista ontem após reunir-se com Lula, Shannon procurou contornar as diferenças e disse apostar nos pontos em comum. Procurou circunscrever ao âmbito comercial a concorrência para a compra dos novos caças da FAB. Ressaltou mais de uma vez que Suécia e França (os outros dois concorrentes) são aliados e amigos dos Estados Unidos. Em relação ao Irã, lembrou que o Brasil, como país soberano, não precisa de autorização alheia para conversar com quem quer que seja.
Sobre Honduras, disse ter esperança que a eleição do novo presidente tenha representado um ponto nodal para a normalização das relações hemisféricas, sem criticar a resistência brasileira à transição institucional ali apoiada por Washington. Sobre um tema mais delicado, a Venezuela, arriscou-se um pouco além. Sugeriu ao governo de Hugo Chávez que evite reprimir as manifestações da oposição, ao opinar que nas crises políticas os espaços de liberdade podem servir para encontrar as saídas menos traumáticas.
Na sua chegada ao Brasil, Shannon procurou apresentar-se como pragmático. Disse perseguir uma “diplomacia de resultados”, baseada em fatos e não em debates ideológicos. Na teoria, faz sentido. Na prática, já que se trata de medir eficácia, é preciso saber o que os Estados Unidos têm para entregar.
Os americanos vão aceitar, como quer o Brasil, uma influência decisiva do G20 no redesenho das regulações financeiras globais? Vão aliviar a pressão para que os maiores países emergentes definam metas draconianas na emissão dos gases do efeito-estufa? Vão investir na ressurreição da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio? Vão suspender o bloqueio a Cuba? E, finalmente, vão topar abrir de vez o mercado deles ao nosso etanol?
Neste ponto, Shannon foi mais do que cauteloso. O Senado americano vinha bloqueando sua confirmação exatamente pelo temor de que os Estados Unidos reduzissem as barreiras ao biocombustível de cana. Aqui, não parece haver luz no fim do túnel protecionista.
São todos assuntos para o embaixador quebrar a cabeça. Mas em pelo menos um caso as diferenças do Brasil com os Estados Unidos são insolúveis, incontornáveis. Entre os principais dirigentes mundiais, Barack Obama é o único que não precisa de uma foto sorridente ao lado de Lula para obter certificado de “progressista”. Na prática, Lula nada agrega politicamente a Obama. Diferente da situação de George W. Bush, que cultivava sua amizade com o presidente brasileiro como antídoto à imagem complicada que sabia ter em escala planetária.
Também por isso, digamos que as relações e as conversas entre os dois países e os dois presidentes tenham entrado numa fase mais igual, mais objetiva, mais “americana”. Não era isso, aliás, que o Brasil queria?
Fonte: CORREIO BRAZILIENSE, via NOTIMP