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Ponto a ponto - Thomas Shannon





Novo embaixador dos EUA assume o posto em meio à controvérsia sobre compra de caças e defende relação transparente

Isabel Fleck

Ao chegar a Brasília para finalmente assumir o posto de embaixador dos Estados Unidos, após oito meses de espera pela confirmação do Congresso norte-americano, Thomas Shannon fez questão de ressaltar que as relações entre os dois países atingiram um grau de “respeito e atenção” único, mas deixou escapar que os dois países “podem trabalhar para melhorar a franqueza”. A vinda de Shannon ao Brasil coincide com a publicação, pelo jornal Folha de S. Paulo, de que o governo brasileiro teria confirmado a decisão de comprar os caças franceses Rafale — que disputam com o norte-americano F-18 Super Hornet na concorrência da Força Aérea Brasileira (FAB). O embaixador, no entanto, preferiu se abraçar às declarações do ministro da Defesa, Nelson Jobim, que negou ontem haver uma definição do processo de compra. Shannon insistiu na tese de que o governo americano tomou uma decisão “sem precedentes” em relação à transferência de tecnologia oferecida ao Brasil.

“Estamos mudando um paradigma em termos de transferência de tecnologia. Isso mostra a importância da nossa diplomacia comercial, mas também uma confiança no Brasil e em nossa relação com o país. Isto é, estamos dispostos a tomar passos em relação ao Brasil que no passado não pudemos tomar”, disse Shannon.

Ele também afirmou acreditar que, apesar de os quase seis meses de ausência de um embaixador americano em Brasília não terem atrapalhado o diálogo entre Brasil e Estados Unidos, isso também “não ajudou”. Seu antecessor, o empresário Clifford Sobel, deixou a representação na capital no fim de agosto e, desde então, muitas divergências entre os dois países surgiram, em temas como a crise política em Honduras, as bases militares na Colômbia e a aproximação brasileira com o Irã. O diplomata, contudo, defendeu que os dois países estão num momento em que não há mais lugar para “alterações” entre períodos de muita cooperação e outros de falta de atenção, como foi no passado. “A importância agora é construir um diálogo aberto, flexível e respeitoso.”

Ao falar sobre a relação brasileira com o Irã, Shannon foi diplomático, mas destacou que os países que buscam o diálogo com Teerã têm de “medir a eficácia” dessas ações “com base nos resultados”. “O Brasil, como país soberano, obviamente não precisa de licença ou permissão para atuar dentro de seus interesses nacionais”, afirmou. Entretanto, ao responder sobre a dúvida de diversos países da região, como o Brasil, em reconhecer as eleições em Honduras, o embaixador deu uma alfinetada. “Uma diplomacia que tem sua base em fatos e que está focada em assuntos concretos, e não na ideologia nem na retórica, é a melhor maneira de tratar um problema como Honduras”, avaliou.

Dia apertado

Em seu primeiro dia de trabalho em Brasília, o norte-americano teve uma agenda cheia. Com quase uma hora de atraso, por volta do meio-dia, foi recebido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a quem entregou suas credenciais e conversou brevemente, entre outros assuntos, sobre a atuação dos dois países no Haiti. Depois de uma coletiva de imprensa na nova residência oficial do chefe da embaixada, Shannon se reuniu com o secretário-geral do Itamaraty, Antonio Patriota — ex-embaixador do Brasil em Washington —, a quem reafirmou a intenção da secretária de Estado, Hillary Clinton, de vir ao Brasil “o quanto antes”, provavelmente na última quinzena de março. A data, porém, ainda não foi fechada.

Pedido de franqueza

Compra dos caças

“Tanto o ministro (Nelson) Jobim quanto o ministro (Celso) Amorim disseram hoje (ontem) que o governo ainda não tomou sua decisão. Do nosso ponto de vista, o Super Hornet (avião produzido pela Boeing e que disputa a possibilidade de fornecimento para a FAB) é um bom produto e acho que merece a atenção do governo brasileiro. É importante notar que a França e a Suécia são amigos e aliados dos EUA, e essa é uma concorrência comercial, que não vai afetar a nossa relação em termos de cooperação em segurança. Mas também é importante notar que o governo dos EUA, em termos de transferência de tecnologia, tomou algumas decisões sem precedentes. Estamos mudando um paradigma em termos de transferência de tecnologia para abrir um espaço para a Boeing. Isso mostra a importância da nossa diplomacia comercial, mas também uma confiança no Brasil e em nossa relação com o país. Isto é, estamos dispostos a tomar passos em relação ao Brasil que no passado não pudemos tomar.”

Convivência no Haiti

“Há muitos anos, o Brasil desempenha um papel de liderança muito importante no Haiti, pela Minustah (as Forças de paz da ONU, comandadas pelo Brasil). Depois da tragédia, o papel do Brasil é ainda mais importante. Depois de uma tragédia como a que aconteceu no Haiti, a vontade de ajudar da comunidade internacional foi intensa e muito importante. Diferentes países, como o Brasil, os EUA, a França e os membros da União Europeia fizeram todo o possível para prestar assistência humanitária o mais rápido possível. Isso não foi nada fácil, considerando as condições em que se encontrava o Aeroporto de Porto Príncipe, que ficou sem o controle do governo do Haiti por alguns dias. Neste momento, acho que a cooperação e a colaboração foram ótimas. Os nossos militares e os países que compõem a Minustah, entre eles o Brasil, estavam mais próximos do que nunca. O líder da Minustah, o general Floriano Peixoto, é um excelente líder e membro das Forças Armadas do Brasil, e é um excelente colaborador com os diferentes países que estão trabalhando no Haiti neste momento. O Haiti vai ser beneficiado com essa cooperação e colaboração.”

Relação com o Irã

“O Brasil, como país soberano, obviamente não precisa de licença ou permissão para atuar dentro de seus interesses nacionais. Vamos respeitar as decisões tomadas pelo governo do Brasil. Ao mesmo tempo, temos um diálogo intenso com outros países do mundo sobre o Irã. Um diálogo que ocorre dentro da ONU, especialmente no Conselho de Segurança, e também em outras organizações internacionais, como a AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica). Do nosso ponto de vista, o Brasil está trabalhando de maneira cooperativa com os outros países do Conselho de Segurança. Ele teve um papel importante, como outros países, em comunicar ao Irã as preocupações da comunidade internacional com respeito ao seu programa nuclear, especialmente à falta de transparência, e também sobre direitos humanos — e não só os direitos políticos e civis, mas de expressão e de prática religiosas. As ações recentes do governo do Irã provocam muita preocupação não só nos EUA, mas em outros países. Todos os países estão procurando um processo para começar o diálogo e aproximação com o Irã, mas a questão é se o Irã tem o mesmo interesse no diálogo. Até este momento, parece que não.”

A crise em Honduras

“Nesse mundo, uma diplomacia que tem sua base em fatos e que está focada em assuntos concretos, e não na ideologia nem na retórica, é a melhor maneira de tratar um problema como Honduras. O principal fato em Honduras foi a eleição de Pepe (Porfírio) Lobo como presidente, e a nossa esperança é que os diferentes países da América encontrem na sua eleição uma saída para o problema de Honduras e uma maneira de reintegrar o país à OEA e à comunidade de países democráticos das Américas. Estamos conversando com o Brasil e com outros países da América do Sul que ainda não tomaram uma decisão sobre isso, e têm sido diálogos positivos.”

Venezuela

“A Venezuela está passando por um momento difícil. Do nosso ponto de vista, é importante, em momentos de crise política, abrir o espaço político para o povo. E, nesse momento, a nossa mensagem ao governo da Venezuela seria de não reprimir, mas abrir espaço e ouvir o povo venezuelano.”

Etanol

“Reduzir taxas (sobre o etanol) é um assunto que está sob a competência do Congresso dos EUA, e não do Executivo, então eu não tenho muito a dizer sobre isso. É importante que os EUA e o Brasil continuem trabalhando no assunto de biocombustíveis, compartilhando informações que saem das pesquisas de especialistas e trabalhando em outros países para ajudar a desenvolver os seus setores de biocombustíveis. Acho que, a curto prazo, essa é a melhor maneira de aumentar a produção de etanol e assegurar que esse e outros biocombustíveis se tornem parte de um programa de fontes de energia alternativas.”

A briga do algodão

“O Brasil e os EUA estão em um diálogo neste momento, procurando uma maneira de evitar uma retaliação. Encaramos com muita seriedade as nossas obrigações na Organização Mundial do Comércio (OMC) e queremos trabalhar com o Brasil para melhorar a nossa relação comercial e evitar uma ação retaliatória. Há uma negociação entre o USTR (Escritório de Representação do Comércio dos EUA) e o Itamaraty. Os governos dos EUA e do Brasil já disseram claramente que gostariam de encontrar uma solução que evite a retaliação, porque a retaliação sempre provoca uma contrarretaliação — e isso não é bom nem para o Brasil nem para os EUA.”

Fonte: CORREIO BRAZILIENSE, via NOTIMP





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